É na mudança que as coisas acham repouso, isto é, "tudo muda exceto a própria mudança". Nada o que é será para sempre, nem o para sempre é para sempre continuamente. Até na Física contemporânea se discute a finitude do universo que se iniciou em uma explosão cósmica chamada "Big Bang" (fenômeno este que teve origem estimativamente a cerca de 13,5 bilhões de anos atrás), embora também hajam aqueles que creem que o universo seja infinito e se expandindo sem limites no tempo e no espaço. Físicas à parte, aqui no planeta Terra a vida das coisas e dos seres, individualmente falando, tem lá seu início e tem lá seu termino. A vida, qualquer vida, é frágil e breve, algumas podem durar mais e outras menos. "A morte nos ensina a transitoriedade de todas as coisas", escreve Leo Buscaglia.
Vivemos, então, este dilema, este conflito e esta luta: queremos ser permanentes enquanto somos transitórios. Muitos sofrem pela caducidade da vida e da beleza de certas coisas. O desejo da eternidade ou da infinitude parece querer impor seus anseios. Porém Freud nos ensina que a permanência, ou a duração absoluta, não é condição para apreciar e usufruir a essência, o valor e o significado subjetivo da vida. A limitação da fruição, prossegue Freud, eleva o valor dessa fruição. E afirma: "uma flor que dura apenas uma noite nem por isso nos parece menos bela". A exigência de imortalidade, ambição da alma humana, não consegue se sobrepor às exigências da realidade. Não é porque a cada dia nos esvanecemos um pouco, até o derradeiro dia, que não podemos nos encantar com o belo que nos transita na transitoriedade de nossas vidas. A descoberta da nossa própria efemeridade e da fragilidade fugaz do mundo humaniza ainda mais o humano que nos habita. Ou como diz Montaigne, "quem ensinasse os homens a morrer, os ensinaria a viver".
E assim sofre o homem de impermanências. Há quem procure consolo e asilo nos pensadores de hoje. Eu, particularmente, busco cada vez mais a sabedoria dos de antigamente. Mas - dirão alguns - os tempos atuais são outros e o mundo está diferente. Refuto dizendo que as inquietações basilares da alma humana são as mesmas, visto que nos ainda somos passíveis de nos encantar e de nos espantar com o que nos cerca. Eis uma permanência que reside subjacente na transitoriedade individual e subjetiva de cada alma humana. Isto é inerente ao espírito humano. Em cartas dirigidas a Paulino, Sêneca disserta: "a maior parte dos mortais queixa-se da malevolência da Natureza, porque estamos destinados a um momento da eternidade, e, segundo eles, o espaço de tempo que nos foi dado corre tão veloz e rápido, de forma que, à exceção de muitos poucos, a vida abandonaria a todos em meio aos preparativos mesmos para a vida". Porém rebate o filósofo: "não recebemos uma vida breve, mas a fazemos, nem somos dela carentes, mas esbanjadores... a vida, se souberes utilizá-la, é longa".
Em seu "Sobre a Brevidade da Vida" Sêneca nos enriquece e clareia à alma que uma vida longa e uma vida curta se diferencia não pelo tempo que a vivemos, mas pelas decisões que nela tomamos e pela sabedoria com que a desfrutamos. Esquecemos das coisas simples ao nos cegarmos pelo brilho indiferente do sol e das estrelas. E nos lamentamos, como expõe Fernando Pessoa, em lamúrias que choram "ah, não há saudades mais dolorosas do que as das coisas que nunca foram". O que produzimos, esclarece Sêneca, no final das contas, é o que realmente vale. Lembremos permanentemente, no transitar contingente de tudo, que nossas vidas - a minha, a sua e a de cada um - é nossa e que somos responsáveis por elas, valorizando-as e sabendo dar importância e dedicar tempo ao que realmente importa. Ou ainda como bem diz Sêneca: "Não julgues que alguém viveu muito por causa de suas rugas e cabelos brancos: ele não viveu muito, apenas existiu por muito tempo. Julgas que navegou muito aquele que, tendo se afastado do porto, foi pego por violenta tempestade e, errante, ficou à mercê dos ventos, ao capricho dos furacões, sem, no entanto, sair do lugar? Ele não navegou muito, apenas foi muito acossado."
Negando a impermanência e a vicissitude, apegamo-nos. Acreditamos até, quando passamos por um momento ruim e adverso, no prolongamento e na durabilidade do instante. O fim, o término, a morte e o passageiro, nos convida, pois, a aproveitar a vida e seus instantes. Robert Herrick, poeta inglês do século XVII, versou: "colhe teus botões de rosa enquanto podes/O Velho Tempo ainda corre/E esta mesma flor que ainda sorri/Amanhã estará à morte". Evite, caro leitor(a), ver tais versos como mórbidos. Ao contrário, perceba-os como um verdadeiro chamamento ao carpe diem, a velha expressão latina que Horácio, em suas "Odes", declamou ao nos sugerir colher de todo o momento fugaz seu proveito. Mas não confundamos "colher o dia" como gozar o dia no sentido hedonista do termo. O epicurismo defendido por Horácio salienta que a beleza e a vida são perecíveis, e que devemos viver o hoje sem grandes preocupações com o amanhã e, assim, não se deve desperdiçar o agora e sim aproveitá-lo. Podemos ver embutido também o seguinte significado: não gastemos tempo com coisas insignificantes, inúteis ou sem sentido. Saborear o presente não representa viver intensamente como se não houvesse amanhã. Se o futuro depende daquilo que fazemos no presente, como dizia Gandhi, temos que roubar do agora vivido o que pudermos levar para o porvir, como também escreve o escritor e jornalista português Miguel Cardoso, para quem o que mais valem são as poucas e pequenas coisas que fazemos e experienciamos, pois elas ninguém haverá de nos retirar no futuro.
Cuidemos de nossas vidas como quem cuida de um jardim. É no nosso não-futuro que reside a felicidade que devemos saber tirar das pequenas coisas, afinal, como alega Schopenhauer, é no aqui-agora que repousa exclusivamente nossa existência. Jamais esqueço dos ensinamentos do poeta Mário Quintana: "o segredo não é correr atrás das borboletas... É cuidar do jardim para que elas venham até você".
No Salmo 90:12 Moisés pede a Deus que o ensine a contar os dias para que possa alcançar um coração sábio. Sim, é sabendo que os dias passam e que não são muitos que temos a sabedoria em desfrutar cada momento de nossas vidas naquilo que de fato nos é útil e frutífero, pois a vida é um vapor que aparece por um pouco e depois se desvanece (Tiago 4:14). Não penso na vida eterna, mas na eternidade do que me é passageiro. Por isto, indago-me: tenho me dedicado ao que importa?; tenho amado quem me ama e a quem eu amo?; tenho valorizado o sorriso, o vento e o abraço? tenho em minha companheira a certeza de ter um companheiro?; tenho feito do cotidiano a realidade dos meus sonhos?; tenho olhado mais para as coisas que olho menos?; "antes de que se rompa o fio da prata" (Eclesiastes 12:6) tenho visto no semblante da minha filha o orgulho, a alegria e o gostar de ter tido um pai?; tenho concebido da singularidade da minha vida a especialidade e o sentido de quem deveras sou?...
Sei que quando o dia for noite e o céu for cinza, quando sentir o abatimento do que me é contrário e quando o lá fora parecer não me interessar, haverei sempre de ouvir os versos de Carlos Pena Filho:
Cuidemos de nossas vidas como quem cuida de um jardim. É no nosso não-futuro que reside a felicidade que devemos saber tirar das pequenas coisas, afinal, como alega Schopenhauer, é no aqui-agora que repousa exclusivamente nossa existência. Jamais esqueço dos ensinamentos do poeta Mário Quintana: "o segredo não é correr atrás das borboletas... É cuidar do jardim para que elas venham até você".
No Salmo 90:12 Moisés pede a Deus que o ensine a contar os dias para que possa alcançar um coração sábio. Sim, é sabendo que os dias passam e que não são muitos que temos a sabedoria em desfrutar cada momento de nossas vidas naquilo que de fato nos é útil e frutífero, pois a vida é um vapor que aparece por um pouco e depois se desvanece (Tiago 4:14). Não penso na vida eterna, mas na eternidade do que me é passageiro. Por isto, indago-me: tenho me dedicado ao que importa?; tenho amado quem me ama e a quem eu amo?; tenho valorizado o sorriso, o vento e o abraço? tenho em minha companheira a certeza de ter um companheiro?; tenho feito do cotidiano a realidade dos meus sonhos?; tenho olhado mais para as coisas que olho menos?; "antes de que se rompa o fio da prata" (Eclesiastes 12:6) tenho visto no semblante da minha filha o orgulho, a alegria e o gostar de ter tido um pai?; tenho concebido da singularidade da minha vida a especialidade e o sentido de quem deveras sou?...
Sei que quando o dia for noite e o céu for cinza, quando sentir o abatimento do que me é contrário e quando o lá fora parecer não me interessar, haverei sempre de ouvir os versos de Carlos Pena Filho:
"lembra-te que afinal te resta a vida
com tudo que é insolvente e provisório
e de que ainda tens uma saída:
entrar no acaso e amar o transitório.
com tudo que é insolvente e provisório
e de que ainda tens uma saída:
entrar no acaso e amar o transitório.
Joaquim Cesário de Mello
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