Em tempos de vacas magras onde o
empobrecimento musical nos leva a divas como Ivete Sangalo e Cláudia Leite, eis
que chega ao mercado fonográfico uma leve brisa com sabor lírico de maresia.
Falo do novo disco de Leonard Cohen, Old
Ideas.
Muitos
podem estar se perguntando: afinal quem é Leonard Cohen. Até entendo. Cohen é
um poeta e escritor canadense que, já maduro, enveredou pela música tornando-se
um dos mais cultuados compositores de sua geração. E que geração é esta?
Trata-se da geração “cabeça” dos revolucionários e loucos anos 60. Naquela
época vivia-se a chamada “contracultura”, cuja juventude de então em seus
ideários contestadores e libertários inovou estilos e deixou marcas profundas
em toda cultura e sociedade ocidental. Segundo Wikipédia o movimento
contracultural era focado “principalmente nas transformações da consciência,
dos valores e do comportamento,na buscca de outros espaços e novos canais de
expressão para o indivíduo e pequenas realidades do cotidiano”. Foram tempos verdadeiramente
undergrounds e de cultura alternativa. E em meio a tudo isto eis que nos surge
Leonard Cohen e seu disco In My Life
(1966).
A carreira do cantor e
compositor ofuscou-lhe o escritor que já era desde antes. Em 1961 alcançou a
consagração literária com The Spice Box
of Earth, segunda coleção de poesias do poeta. Anos bem depois, em 2011,
recebeu o prêmio literário Príncipe das Antúrias, concedido pela fundação de
mesmo nome na Espanha a pessoas ou instituições que tenham contribuído de
maneira notável em várias áreas humanas.
Músicas como Hallelujah, I’am Your Man e Dance Me To
The End of Love fazem parte da trilha Sonora da vida de muitas pessoas.
Quantas mulheres já não se encantaram e ainda se encantam com os versos de I’am Your Man na voz lúgubre e rouca,
cheia de nicotina e testosterona de Cohen? Não há anima que resista... Permita-me um trecho:
“Se você quiser uma amante
Eu farei tudo o que
me pedir
E se você quiser outro tipo de amor
Eu usarei uma máscara por você
Se
quiser um parceiro,
Toma a minha mão ou se quiser me derrubar,
de raiva Aqui
estou eu
Eu sou o teu homem”
Leonard
Cohen é autor de um livro que pode ser considerado um “livro de geração”(A
Brincadeira, relançado recentemente pela Cosac Naify) ao se debruçar sobre as
agruras psicológicas e sociais da juventude do seu tempo (ou será de da
juventude de todos os tempos?) em começar andar por suas próprias pernas. Como
diz Cohen “é fácil exibir uma ferida, as
orgulhosas cicatrizes de guerra. O difícil é ter espinhas”.
Com
sua poesia de riqueza e requinte o poeta igualmente leva sua verve às letras
musicais e com elas ela canta e conta suas experiências de vida – que não são
poucas e nem rasas, principalmente no auge dos seus 77 anos de idade. Seus
versos são agudos e às vezes bem diretos e secos como uma flecha, como quando
diz: “não tenho futuro/seis que meus dias
são poucos/o presente não é tão prazeroso/apenas algumas tarefas a
cumprir/pensei que o passado iria sobreviver a mim/mas a escuridão chegou lá
também”. Dolorosa sinceridade!
O
retorno de Cohen à música – infelizmente devido a um golpe que sofreu de quem
administrava seu fundo financeiro de aposentadoria – deve ser saudado por todos
que curtem a sensibilidade da existência além da superficialidade efêmera das
máscaras e do cotidiano barato. Sua obra é naturalmente intimista e talvez
exatamente por isto sua musicalidade se infiltra em nós sorrateiramente qual
veneno de cobra. Impossível a indiferença frente sua voz, seus versos e seu
som. Ou se ama, ou se odeia.
Mestre
da poesia cantada, assim como Bob Dylan, Leonard Cohen se analisa como quem
dialoga com um alter ego ou com um espelho de dupla face (“adoro conversar com Leonard... ele é um bastardo preguiçoso vivendo
dentro de um paletó”). Com seu vozeirão inconfundível este velho poeta
vindo do século passado nos trás hoje suas velhas ideias, que de velhas ela só
têm a jovialidade de serem permanentes.
E
como se diz por aí “uma imagem vale mais do que mil palavras”. Pois é, bons
versos falam mais do que mil letras de músicas de Vander Lee ou até mesmo tudo
que foi escrito acima, I’m sorry. Então porque não deixar a poesia falar por si
mesma, afinal se há algo mais revelador do que se passa com a alma humana não
se encontra nos livros didáticos e acadêmicos de Psicologia ou áreas afins, mas
sim na poesia. Se for verdade que “os olhos são a janela da alma” não é menos
verdade que a poesia é a própria alma que se expressa e se revela, seja através
da escrita, da música, da imagem, da cena, no palco ou na arte. A poesia é a
alma transpirada.
Com
vocês um pouco do poeta, compositor e escritor Leonard Cohen, aqui reproduzido
em trechos e alguns versos de sua obra:
“Poderá existir algo mais vazio que a gaveta
onde costumavas guardar o teu ópio?”
(O
Estado da Minha Gaveta)
“Fechas os olhos e
deixa que se fechem cosidos.
Provocas um abraço e cais nele.
Há só um momento de
dor e de dúvida
quanto te perguntas
quantas multidões estão deitadas junto
do teu corpo,
mas uma boca beija
e uma mão afasta esse momento”
(Tens
os amantes)
“Dance-me até sua beleza com um violino
ardente
Dance-me
através do pânico até eu estar em segurança
Eleve-me
como uma oliveira
e
seja a pomba fazendo ninho em mim”
(Dance me To The End Of Love)
Joaquim Cesário de mello
Um comentário:
As frases dele são maravilhosas. Encantam a alma. mas o comentário dele sobre a velhice entristece. Coisa de poeta que vê mágica em tudo e espera que a vida permaneça como um espetáculo constante? não sei. Mas terminei a leitura com a alma tocada.
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