Às vezes um equívoco nos traz agradáveis e inusitadas surpresas. Pois
foi o que aconteceu comigo na última vez que fui ao cinema da FUNDAJ. Para
passar o tempo e esperar dar a hora de ir jantar em casa de amigos programei-me
e fui assistir ao filme "O´Último Dançarino de Mao". Lá chegando no
horário que li no jornal deparei-me com outro filme: "Pina" do
cineasta alemão Wim Wenders. Embora seja um cineasta que deixou marcas
indeléveis em minha memória cinematográfica e afetiva ("Paris,
Texas", "Buena Vista Social Club") não estava disposto naquela
noite a assistir um documentário. Porém, assisti. Não me arrependi, pelo
contrário. Acaso fosse em uma palavra somente descrever o impacto do filme em
mim diria "estupefato".
O filme
homenageia a bailarina e coreógrafa, também alemã, Pina Bausch, diretora do
balé Tanztheater Wuppertal Pina Bausch, que faleceu em 2009. Pina foi uma
artista de mão cheia e rara que inovou a linguagem da dança. Suas coreografias
combinam a expressividade do balé com o teatro. Logo nos minutos iniciais do
filme temos a seguinte colocação de Pina: "tem coisas que nos deixam sem palavras. E tem coisas que as palavras
não dão conta de dizer. É aí que entra a dança".
O próprio filme
do Wenders é uma dessas coisas que não só nos deixam sem palavras, como não
encontramos palavras certas para descrever a poesia toda do filme em exibição.
Mesmo sabedor de que as palavras aqui somente diminuem o prazer e encantamento
estético musical, visual e dramático da obra, permitam-me os inúteis esforços.
Ali está a
subjetividade humana em movimento. Paixão, solidão, beleza, contentamento,
êxtase, luto, angústia e sofrimento, bailam frente aos nossos olhos e alma
perplexos, seduzidos hipnoticamente e sem chances de qualquer defesa ou fuga
cognitiva. Pura arte em ebulução. Teatro, dança, poesia, música e cinema
interligam-se magistralmente no esculpir dos corpos frágeis e fortes, jovens e
velhos, magros e musculosos, nos bailar da leveza de nossas insustentáveis
existências finitas. O pulsar da vida parece querer jorrar das veias expostas.
Como disse Arnaldo Jabor, "o filme Pina
é um spa mental".
Não foi apenas
Jabor que saiu da sala de cinema com deslumbre na alma. Eu e os demais
igualmente. Não queria que o filme terminasse. Queria-o eterno. Ou seria eu que
queria a eternidade da vida? Em toda sua dor e prazer, em toda sua glória e
fracasso, em toda sua transitoriedade e permanência, a vida é bela. Embora muitas
vezes, parece, esquecermos disto. Frederico Fellini (grande mestre do cinema
italiano) também assim sentiu, muito antes do que eu. Para Fellini, Pina expõe
em seu teatro dançante a força inebriante e libertária do desejo. Afirma,
porém, ser um "conforto que se esvai aos
poucos, porque o que a gente quer é que toda essa harmonia, toda essa leveza
não acabe nunca e que a vida seja assim".
Certa vez disse
minha filha que basta um pequeno momento sublime em um filme que para mim já
vale o filme inteiro. Pois em "Pina" de Wenders, do primeiro ao
último fotograma, do primeiro ao último acorde musical, o filme inteiro é
sublime, sem exceção.
O autores deste
blog, Marcos Creder e eu, em nossa arrogância impotente criamos o LiteralMente
com intuíto de falar da alma humana através da arte. Tola e ingênua pretenção.
Se alguém chegou perto disso certamente foi Pina, e Wenders seguiu bem seus
passos. Depois do filme e de assistir o que aquela mulher enevoada de fumaça de
cigarro conseguiu fazer dá vontade de desistir. Todavia a vida não é somente
para ser assistida, mas sim para ser vivida. Insisto e continuo...
A trilha sonora é
um deleite à parte. Tem a assinatura e interpretação de Thom Hanreich,
ex-vocalista da banda de rock Vivid. Fica em nossos ouvidos Bahamut (Modine), Tied Down
(Thom), The Here and after (Miyake) e Lillies of the Valley (Miyake).
"O corpo diz o que o que as palavras não podem dizer" (Martha Graham). A dança expõe a alma em movimento, nos revela
sentimentos, nos expõe emoções, nos suscita sonhos, nos leva pra longe da fria
realidade das coisas. Através do gesto artístico, dos pequenos gestos, a vida
pulsa. Bernard Shaw (dramaturgo) já dizia que a dança é "uma expressão perpendicular de um desejo horizontal". Pela arte da dança transformamos o sentimento em movimento e o
movimento em sentimento. A dança nos coloca visível o que é invisível.
Pina Bausch foi
indubitavelmente uma artista que como poucos soube explorar a subjetividade
humana e os conflitos vividos na relações entre pessoas. Está tudo ali: sonhos,
fantasias, desejos, sentimentos, paixões, dores e amores. Da alegria à tristeza
transita o ser humano no próprio transitar de sua efêmera existência. E pensar
que ao longo deste pouco tempo nos deixamos tragar pela banalidade fútil do consumo
e da materialidade, alienando-nos do que mais importa ao humano que é a vida
passageira que ele carrega em seu corpo constantemente envelhescente. Quase
suplica Pina: "dancem ou estamos
perdidos".
Sim, assistir ao
filme Pina é se permitir se deleitar com a música do corpo. Ou como disse certa
vez a bailarina Isadora Duncan, "Dançar é
sentir, sentir é sofrer, sofrer é amar... Tu amas, sofres e sentes.
Dança!"
Saí do cinema
extasiado e cantante, porém triste e melancólico. Abrochou em mim a culpa. A
culpa de não ter sido um dançarino. Pena, virei tão apenas um psicólogo que
sentado em meu cotidiano clínico escuto os ruídos das almas alheias que se
movimentam pelas ruelas e becos do cotidiano da vida.
Joaquim
Cesário de Mello (LiteralMente)
Um comentário:
Abstenho-me de demais comentários além de:
Assisti, e minha mente e alma dançaram.
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