A solidão é algo inerente ao ser humano. Utilizando-me de Heidegger, cada ser está por si só no mundo. Quando nascemos somos nós que nascemos, assim como morrendo somos nós que morremos. Embora desde o nascimento vivamos em coletividade, sou eu que nasço, sou eu que morro. Somente. Assim como os outros também.
Mas, por que mesmo assim, sofremos ao nos sentirmos sós, mesmo que em meio a multidões? Esta solidão que nos queixamos ou tememos vem do lado de dentro da alma, do interior de cada homem. É aquele sentimento de isolamento e vazio que nos dá. Uma sensação de separatividade, de que algo está faltando, de que ninguém nos ama, de que estamos desconectado e, às vezes, nem sabemos de que. É como se todo o dia, o dia inteiro, fosse uma enorme noite que começa a partir de dentro de mim. O escritor francês Victor Hugo já dizia que "todo inferno está contido nesta única palavra: solidão". Solidão assim vista, assim sentida, é pura tristeza, profundo pesar.
Já que nascemos sozinhos, de onde vem, então, este sentimento doloroso de solidão? Da infância, é claro. É lá, desde criança cedo, nos primeiros longínquos medos que nos dava ao sermos deixamos sozinhos em um quarto. A base emocional do sentimento de solidão repousa, pois, em um outro angustioso sentir: o desamparo. O desamparo psíquico está diretamente relacionado às sensações primárias e infantis de abandono e privações de necessidades emotivas. Carência e ausências de vínculos protetores e apego seguro nos predispõem aos vazios da alma humana. Tais vazios, por sua vez, criam dentro de nós um espaço de uma depressão sem tristeza e de sentimentos inominados.
De um modo geral há em nós uma tendência a fugir e a se recolher quando nos sentimos ameaçados, por exemplo, ou quando nos sentimos agredidos, intimidados ou criticados. Caso tenhamos uma baixa autoestima (temporária ou crônica) tal tendência reage a eventos até banais e corriqueiros da vida. Todavia, quando isto acontece, o indivíduo não sente seu interior como verdadeiramente um abrigo, um refúgio, mas sim é acometido de estados de vazio, insatisfação e tédio. O estar só consigo mesmo é, então, amargo, penoso e triste. É como diz Rilke nos versos finais do poema Solidão, cujas estrofes iniciais citei acima: "quando aqueles que se odeiam/têm de dormir juntos na mesma cama:/então, a solidão vai com os rios..."
Pois é, sabemos que a solidão vem das raízes do sentimento de desamparo do bebê. Quando obrigado a se desencapsular do narcisismo onipotente de suas ilusões primitivas encontra no corpo materno o agasalhar abrigante de seus medos e ânsias. Mas o outro não é ele. O outro e seu corpo se separam da criança. E ela fica só, pois o emergir de um Eu se produz na intimidade da solidão agora descoberta.
Já que nascemos sozinhos, de onde vem, então, este sentimento doloroso de solidão? Da infância, é claro. É lá, desde criança cedo, nos primeiros longínquos medos que nos dava ao sermos deixamos sozinhos em um quarto. A base emocional do sentimento de solidão repousa, pois, em um outro angustioso sentir: o desamparo. O desamparo psíquico está diretamente relacionado às sensações primárias e infantis de abandono e privações de necessidades emotivas. Carência e ausências de vínculos protetores e apego seguro nos predispõem aos vazios da alma humana. Tais vazios, por sua vez, criam dentro de nós um espaço de uma depressão sem tristeza e de sentimentos inominados.
Quando a alma é dominada pela solidão tudo parece transbordado de deserto e ela se encolhe, se retrai e se fecha hermeticamente. O poeta alemão Rainer Maria Rilke assim descreve a solidão:
A solidão é como uma chuva.
Ergue-se do mar ao encontro das noites;
de planícies distantes e remotas
sobe ao céu, que sempre a guarda.
de planícies distantes e remotas
sobe ao céu, que sempre a guarda.
E do céu tomba sobre a cidade.
Não há idade, raça, credo, gênero, nível sócio-econômico, a solidão é algo que pode acometer qualquer um. Embora a solidão como sentimento seja um fenômeno psíquico, há uma forte relação entre solidão e isolamento. Quanto mais uma pessoa se encontra afastada, privada ou separada de convívio social, mais ela se sente solitária. E vice-versa, pois quando se está com profundos sentimentos de solidão a pessoa tende a se retrair socialmente. Porém deixemos logo claro a diferença: enquanto isolamento social representa estar só, a solidão representa sentir-se só.De um modo geral há em nós uma tendência a fugir e a se recolher quando nos sentimos ameaçados, por exemplo, ou quando nos sentimos agredidos, intimidados ou criticados. Caso tenhamos uma baixa autoestima (temporária ou crônica) tal tendência reage a eventos até banais e corriqueiros da vida. Todavia, quando isto acontece, o indivíduo não sente seu interior como verdadeiramente um abrigo, um refúgio, mas sim é acometido de estados de vazio, insatisfação e tédio. O estar só consigo mesmo é, então, amargo, penoso e triste. É como diz Rilke nos versos finais do poema Solidão, cujas estrofes iniciais citei acima: "quando aqueles que se odeiam/têm de dormir juntos na mesma cama:/então, a solidão vai com os rios..."
O Eu dentro da mente, ou melhor a noção de Eu, nasce, portanto, concomitante à solidão. Na exploração do mundo que se agiganta, descortina-se ao psiquismo a sua inescapável condição: sua solitude. Dentro de nosso corpo, dentro de cada corpo, habita uma pessoa chamada Eu. Saber conviver sozinho consigo mesmo prepara a mente para os enfrentamentos da lutar pelo viver. E é dentro de mim, dentro de cada um de nós, que podemos sonhar acordados. No estar só consigo próprio, planta-se o solo saudável do adulto de amanhã.
Eis, em resumo, o grande paradoxo humano. ou seja, a dependência x a autonomia. Nesta luta existencial, jamais deixaremos de possuir laços de dependência. Todos continuaremos, vida a fora, em busca de afetos, trocas e reconhecimentos. Por isso muitas vezes buscamos o outro. Por isso outras vezes nos sentimos sós. Em seu livro O Labirinto da Solidão, escreveu Octavio Paz que "a solidão é o fundo último da condição humana. O homem é o único ser que se sente só e que procura um outro".
Alguém já disse que a angústia não se compartilha e que a dor da falta é solitária. No interior do ser humano habitam carências e faltas. Quem não é, em si mesmo, um baú de perdas e um tesouro de ausências? Não douremos a pílula, isto é, nem cultuemos o sentimento de solidão em si, nem o endemoniemos. Há a solidão dos solitários, como descreve a seguir Marcel Proust: "No solitário, a reclusão, ainda que absoluta e até ao fim da vida, tem muitas vezes por princípio um amor desregrado da multidão e tanto mais forte do que qualquer outro sentimento, que ele, não podendo obter, quando sai, a admiração da porteira, dos transeuntes, do cocheiro ali estacionado, prefere jamais ser visto e renunciar por isso a toda e qualquer actividade que o obrigue a sair para a rua". Há a solidão do reencontro, como descreve Clarice Lispector: "Minha vida é um grande desastre. É um desencontro cruel, é uma casa vazia. Mas tem um cachorro dentro latindo. E eu — só me resta latir para Deus. Vou voltar para mim mesma. É lá que eu encontro uma menina morta sem pecúlio. Mas uma noite vou à Secção de Cadastro e ponho fogo em tudo e nas identidades das pessoas sem pecúlio. E só então fico tão autônoma que só pararei de escrever depois de morrer. Mas é inútil, o lago azul da eternidade não pega fogo. Eu é que me incineraria até meus ossos. Virarei número e pó. Que assim seja. Amém. Mas protesto. Protesto à toa como um cão na eternidade da Seção de Cadastro".
Há ainda a solidão libertadora, como explica o filósofo Shopenhauer:"Nenhum caminho é mais errado para a felicidade do que a vida no grande mundo, às fartas e em festanças (high life), pois, quando tentamos transformar a nossa miserável existência numa sucessão de alegrias, gozos e prazeres, não conseguimos evitar a desilusão; muito menos o seu acompanhamento obrigatório, que são as mentiras recíprocas... Assim como o nosso corpo está envolto em vestes, o nosso espírito está revestido de mentiras. Os nossos dizeres, as nossas ações, todo o nosso ser é mentiroso, e só por meio desse invólucro pode-se, por vezes, adivinhar a nossa verdadeira mentalidade, assim como pelas vestes se adivinha a figura do corpo".
E há os que professam a solidão como espaço criativo, que aqui se encontra nos dizeres da escritora portuguesa Agustina Bessa-Luís:"A harmonia do comportamento social requer, todos o sabemos, tanto o isolamento como o convívio. Excessiva comunicação, debates exagerados de assuntos que requerem meditação e peso moral, avesso muitas vezes à cordialidade natural das afinidades eletivas, não enriquecem o patrimônio de uma sociedade. Antes embotam e alteram o terreno imparcial da sabedoria."
Sim, há solidões e solidões. Muito depende da nossa autoestima. Muito depende se gostamos ou não da pessoa que nós carregamos em nosso interior, embora imperfeita, falha, frágil, carente, incompleta e, às vezes, até ainda enlutada, é o humano que nos habita, com toda sua força e vulnerabilidade, com toda suas virtudes e defeitos, com toda sua extensão e limitação. A solidão, assim, não é apenas algo que nos dói, mas algo de que também necessitamos. É preciso gostar de si próprio para poder estar só consigo mesmo.
Há ainda a solidão libertadora, como explica o filósofo Shopenhauer:"Nenhum caminho é mais errado para a felicidade do que a vida no grande mundo, às fartas e em festanças (high life), pois, quando tentamos transformar a nossa miserável existência numa sucessão de alegrias, gozos e prazeres, não conseguimos evitar a desilusão; muito menos o seu acompanhamento obrigatório, que são as mentiras recíprocas... Assim como o nosso corpo está envolto em vestes, o nosso espírito está revestido de mentiras. Os nossos dizeres, as nossas ações, todo o nosso ser é mentiroso, e só por meio desse invólucro pode-se, por vezes, adivinhar a nossa verdadeira mentalidade, assim como pelas vestes se adivinha a figura do corpo".
E há os que professam a solidão como espaço criativo, que aqui se encontra nos dizeres da escritora portuguesa Agustina Bessa-Luís:"A harmonia do comportamento social requer, todos o sabemos, tanto o isolamento como o convívio. Excessiva comunicação, debates exagerados de assuntos que requerem meditação e peso moral, avesso muitas vezes à cordialidade natural das afinidades eletivas, não enriquecem o patrimônio de uma sociedade. Antes embotam e alteram o terreno imparcial da sabedoria."
Sim, há solidões e solidões. Muito depende da nossa autoestima. Muito depende se gostamos ou não da pessoa que nós carregamos em nosso interior, embora imperfeita, falha, frágil, carente, incompleta e, às vezes, até ainda enlutada, é o humano que nos habita, com toda sua força e vulnerabilidade, com toda suas virtudes e defeitos, com toda sua extensão e limitação. A solidão, assim, não é apenas algo que nos dói, mas algo de que também necessitamos. É preciso gostar de si próprio para poder estar só consigo mesmo.
Joaquim Cesário de Mello
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