domingo, 3 de dezembro de 2017

Felicidade Compulsiva

Não posso dizer que sou avesso a smarthphones porque os uso, e, seria muito difícil administrar o dia-a-dia sem eles. Sei, contudo, que conseguiria renunciar seu uso, como poderia renunciar à televisão, o carro, o forno de microondas, o computador. Certamente saberia conviver, e me adaptar ao mundo dos desapegados e viver na comunidade dos intolerantes à tecnologia. Mas não tenho como negar, uso e gosto de seus recursos.


O Whatsapp, por exemplo,  é uma ferramenta que me agrada bastante que,  apesar de contar com milhares de inutilidades e de informações desnecessárias, traz uma ou outra notícia ou informação com rapidez - muito raramente chega-me uma mensagem ou uma recomendação realmente interessante. Raro, contudo, não é impossível.  Dias atrás,  fui agraciado com envio de um vídeo bem curtinho, desses que nem pensei que iria assisti-lo por  inteiro, como os de conteúdo motivacional, religiosos, ou ainda, das imagens  grotescas e mal editadas dos acontecimentos do dia-a-dia. Este vídeo era bem mais elaborado - na verdade, uma pequena obra de arte - ,   traz o impasse, já velho conhecido, da vida moderna (para alguns contemporânea), entre o desenvolvimento e o bem-estar, ou da tecnologia como supostos propiciadores de conforto, saúde e felicidade. O vídeo se chama justamente Happiness do ilustrador e animador inglês Steve Cutts. Nele se traz à tona, diversos paradoxos entre o desenvolvimento civilizatório e os seus questionáveis benefícios.


De fato, não há como afirmar que tudo que se faz em nome do desenvolvimento nos fará bem adiante. Como o ser humano tem algumas peculiaridades e ambiguidades em relação aos outros seres vivos, frequentemente o resultado daquilo que seria gratificante torna-se escravizante, compulsivo, ou causador de sofrimento, eventualmente de adoecimento.  Somos propensos a criar e a cair em nossas complexas armadilhas, criadas inicialmente em defesa de nosso bem-estar. Isso me faz lembrar o texto Prometeu Moderno - ou Frankenstein - de Mary Shelley cujo personagem, o Dr. Victor Frankenstein, médico e cientista, que trabalhando avidamente na causa da imortalidade humana, cria um monstro assassino.  Monstruosidades como essa, são criadas diariamente em nome do bem-estar, da longevidade e da tecnologia. 

Seria, então, oportuno criar dispositivos que tentem frear essa nossa avidez - ou compulsão - por tecnologia e desenvolvimento? talvez sim, mas meu ceticismo julga isso impossível. Como no mito de Prometeu, que inspirou o texto de Shelley, queremos dominar o fogo e terminamos por nos queimar.


Sou cético, tão cético que interpreto que  o que hoje assistimos das inúmeras vantagens das ferramentas das redes sociais que nos propicia uma relação mais democrática com o outro ou com a comunidade, poderá ser, num futuro não tão longínquo, o seu avesso. Dessa necessidade de exercer compulsivamente a democracia, as redes sociais poderão  funcionar justamente como instrumento para coibir o livre pensamento. Por que? Porque o que se pensa livremente, muitas vezes não é publicável, poderá aqui e ali ser ofensivo, ou ser alvejado por opositores que teclam odiosamente. O livre pensamento termina por não ser democrático - eis o paradoxo.


E assim, mantendo-me cético, revi a desgraça da qual somos submetidos ao assistir ao curta "Felicidade" de Cutts, onde a emenda sai (sempre) pior que o soneto. Assisto como um nihilista melancólico. Cutts  tem a medida certa, não tão  romântico que revele a crueldade do mundo apontado soluções fáceis, nem, contudo, como um grande opositor ao capitalismo - aliás, assim como o smartphone, é apontado como o bode expiatório de todas as mazelas. Pelo contrário, Cutts traz nas entrelinhas, que a luta que se exerce é justamente contra aquilo que fizemos com boas intenções. Cutts aliás, não é ingênuo, trabalhou por muito tempo em defesa das grandes corporações e grandes marcas mundiais (Coca-Cola, Reebok, Sony, Playstation, Toyota, enfim, bons representantes que podem gerar essa compulsão à felicidade).


Marcos Creder  


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