Em mais uma viagem ao Recife, tive oportunidade de comprar, ainda em Guarulhos, um desses livros de aeroportos. Geralmente os aeroportos transbordam-se em biografias, guias turísticos, best-sellers. Cascavilhando aqui e ali, eis que encontro um autor que tenho lá minhas ressalvas em relação aos seus textos: Alain de Botton, uma espécie de "popstar" da filosofia com forte atração no território literatura. Alain de Botton faz, ou tenta fazer, da filosofia, um sofisticado manual de auto-ajuda - o que, em essência, nunca deixou de ser - deixando claro que não vende a ideia de que a filosofia traz felicidade. Comprei-lhe, então, “A Arte de Viajar” e embarquei - o título facilitou a comprar, contudo, não se lê qualquer coisa por impulso. Havia outros interesses.
Vejo o mundo habitado por uma turba de entediados - incluo-me entre eles. É difícil explicar o que vem levando a disseminação dessa epidemia de tédio, mas especulo que um dos motivos encontra-se justamente no seu paradoxo, na oferta maciça de produtos anti-tédio. Como explicar isso? Dou um exemplo: nada mais tedioso, entre os dispositivos de entretenimento, que a TV a cabo ou os canais de streaming. Quando eu tinha em mãos meia dúzia de canais abertos, não hesitava em paralisar no primeiro que me interessasse e me divertir. Contudo, quando sou convidado a visitar centenas de canais de um pacote "Super Premium", sou tomado por angústia. Mesmo que esteja assistindo a um bom filme, não me tranquilizo, inquieto-me. Sinto-me culpado por estar desperdiçando canais provavelmente melhores. Não resisto, e no meio de uma cena que julgo dispensável, saio do filme teclando o controle remoto à procura de programas imperdíveis. Após um demorado “looping”, frustado, retomo o filme, que esgarçado pelo tempo que gastei minha curiosidade, dispersou-me o interesse. Enfim, é assim que tédio começa a despontar, tento procurar outros filmes em outros canais, refaço “loopings” e constato que o meu entretenimento deixa de ser o filme e passa a ser a busca.
Um dos remédios mais propagandeados contra o tédio é viajar, contudo, Alain de Botton, lança-o para o rol das drogas entediantes. A descrição de suas viagens intercaladas por viagens de famosos da literatura, seguem o mesmo ritmo do meu controle remoto dos canias de streaming. De Botton questiona, já no início, o sentido de ir às Bahamas para presenciar a imagem bizarra de um coqueiro solitário à beira mar. De Botton se mostra muito hábil em descrever o sentido(ou o não sentido) ou as metáforas envolvidas com a hábito de sair de casa e partir para o desconhecido. O livro traz, como foi dito, várias impressões de outros escritores: o fascínio de Flaubert pelo Egito, o espírito nômade de Baudelaire, a viagem solitária nas pinturas de Hooper, a romântica aventura científica de Alexander von Humboldt, o tédio experienciado por J.- K Huysmans.
Estamos nos entorpecendo de viagens e o conhecido ato de tomar o primeiro avião, após apontar o dedo aleatoriamente no globo terrestre para conhecer novas paisagens, novos climas, novas etnias e novos costumes, mais uma vez entrou no rol dos excessos do mundo - excessos que culminam no tédio. Alain de Botton me apontou isso e acabou com mais essa ilusão.
Há quem defenda que viajando estamos reacendendo nossos lado ancestral nômade, onde os homídios perambulavam num mundo escasso em alimentos, fato que incorreu em longos percursos migratórios. Toda viagem ancestral foi, em essência, um imenso turismo gastronômico. Mesmo com o fim do nomadismo, continuamos movidos por impulsos que nos fazem aventurar por lugares desconhecidos e alimentar expectativas de felicidade, mesmo que a felicidade represente uma abstração arquitetônica ou uma curiosidade religiosa - neste aspecto o turismo moderno é herança dos peregrinos, guardou-se o legado de que, no deslocamento, se estabeleça uma espécie de purificação. Contudo, a banalização do turismo fez, o ato de viajar, deixar de ser a metáfora da transformação pessoal. a banalização veio da sociedade do excesso.
Uma viagem turística a uma cidade, na verdade, está muito longe de ser uma viagem de reconhecimento de uma cidade de realidade. O turismo criou cidades ilusórias e acolhedoras, demarcadas por caricaturas, por alimentos que sequer fazem parte do cardápio de seus habitantes e por paisagens que formam logomarcas de souvenires. O turismo como hoje é concebido, resulta de sobreposições de abstrações. abstrações, contudo, dirigidas e focadas em imagens exteriores que tamponam provisoriamente as nossas eternas escuridões.
Guilherme Leão
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