Costumamos dizer que algumas leituras são inadequadas aos adolescentes. Um texto de Machado de Assis ou de Guimarães Rosa, ou um clássico de Flaubert, são leituras de baixo aproveitamento aos mais jovens, justificam. Não discordo inteiramente de quem traz esses argumentos, mas, por outro lado, pergunto-me, se não conhecermos esses autores nesses anos de ensino médio, teremos oportunidades conhecê-los e de ainda ler seus textos adiante?
Então, sob o argumento de que “Cem Anos de Solidão” não era obra para leitores amadores, tomei um caminho mais prudente: fiz uma espécie de caminho anacrônico, lendo, de início, seus textos mais acessíveis e mais curtos. Comecei a ler seus contos, suas novelas e seus pequenos romances, para, só depois, com a familiaridade, tomar o clássico romance do autor. Tive com isso algumas descobertas. Descobri que praticamente li sua obra de trás para frente - pude confirmar tambeḿ que os textos da maioria dos (bons) escritores, tendem a se enxugar e a se refinar com a experiência - as palavras desnecessárias são inimigas da literatura.

Determinado segmento teórico da psicanálise desenvolveu a ideia de que o sujeito carrega consigo sua marca, especialmente seu “fantasma”, ou seja, uma espécie de sentença que, incrustado em nossa psique, se desdobra em enfrentamentos e repetições por toda vida. Um dos objetivos da análise seria justamente, num primeiro momento, amplificar os elementos ligados à esse “fantasma”, para que depois, num outro tempo, ao constatar a repetição, reduzi-lo e, consequentemente reconfigurá-lo . Seria o mesmo que Cervantes ao contar as peripécias de D. Quixote, amplificasse a biografia do personagem em diversas capítulos, detalhando os diversos episódios e ocorrências de sua louca epopéia, para em seguida reduzi-lo à frase título: “O Engenhoso fidalgo de Dom Quixote de la Mancha”, um cavaleiro andante, leitor enlouquecido de antigos romances de cavalaria. Todas as passagens do gênero picarescas nessa clássico de Cervantes, confirmam esse enunciado e sintetizam no seu título.
O que em psicanálise é chamado de “fantasma”, em literatura pode ser chamado de leitmotiv (motivo condutor). O fantasma resume o sujeito numa frase, num título ou num subtítulo - isso mesmo! somos um título, uma frase, posteriormente um epitáfio. A diferença que se faz da literatura, é esse enredo de pano de fundo na psique humana, é desconhecido do próprio sujeito, dono de seu fantasma.
Qual seria o leitmotiv ou o fantasma na obra de Gabriel Garcia Marques? Nas entrelinhas do seu texto, hoje posso observar palavras silenciosas, ocultas, imergidas em imagens oníricas , com intervalos de profunda solidão. Solidão é palavra: a solidão deixada pela passagem do tempo, pela sucessão de morte, essa incorrigivel epidemia humana; a solidão gerada pelo lugar imaginário de Macondo, uma cidade solitária na sua inexistência - enfim, uma solidão latinoamericana. acrescento que o texto de Gabriel Garcia Marques me fez tocar numa habitual solidão: A solidão daqueles que leem e escrevem. Se as crianças solitárias reservaram sua vida a construir amigos imaginários, aquelas que tiveram acesso a textos com alguma precocidade, tiveram seus amigos literários.
Marcos Creder


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