Cresci ouvindo que a Suécia tinha o maior índice de suicídio do mundo. Sim isso era fato há cerda de cinquenta anos atrás. Hoje disputam o tétrico índice a Lituânia, a Coréia do Sul e a Guiana, nesta ordem. Também cresci vendo clandestinamente as chamadas "revistas suecas" que, na verdade, eram revistas pornôs, a maioria proveniente da Dinamarca e da Holanda. Cheguei ao cinema denominado de arte primeiramente através dos filmes do diretor sueco Ingmar Bergman. A Suécia convivia, portanto, nas entrelinhas do meu desenvolvimento adolescente. A Suécia para mim era (e é) um país distante onde acreditava só existirem louros civilizados, de cultura avançada, um país rico e sem pobres e/ou mendigos nas ruas, e que em todas as casas havia nas paredes um relógio cuco. Ilusões juvenis, hoje sei.
E eis que novamente a Suécia invade as frestas do meu cotidiano. Cerca de um ano e meio atrás magnetizei-me com um seriado televisivo sueco (precisamente uma coprodução sueco-dinamarquesa) cujo título é
A Ponte, um drama policial cuja história decorre nas cidades de Malmö (Suécia) e Copenhague (Dinamarca), cuja terceira temporada inteira a Globosat levou ao ar em 2016.
Øresund, este é o nome da ponte real que liga a Suécia e a Dinamarca através do mar Báltico. É nesse espaço de fronteira de clima quase gélido que vamos presenciar a clássica caçada policial aos misteriosos crimes em série que povoam o habitat dos detetives Saga Norén (pelo lado sueco) e Martin Rohde (pelo lado dinamarquês). Além das performances imanizantes dos bons atores que interpretam os personagens principais, até aí nada de mais. Contudo, a trama é bem urdida, cheia de reviravoltas bem boladas, em um ritmo cadenciado bem ao estilo europeu.
Como pano de fundo temos a Suécia como palco central, mais precisamente a cidade de Malmö com população em torno de 300 mil habitantes. É aqui que a Suécia dos meus anos juvenis vai se desvanecendo. Ruas praticamente desérticas de pessoas, combinando com a frieza climática nórdica. A algidez ambiental perpassa para o jeito sueco de ser. Embora o excesso de politicamente correto predomine muitas vezes, nem tudo é flores por aquelas bandas. Há drogados, mendigos e sem-tetos. Parece que nem tudo é assim tão róseo quanto pensava sobre o Estado de Bem-Estar da Suécia. O padrão econômico médio geral pode ser elevado para os padrões brasileiros, porém lá também existe injustiças e disparidades sociais.
Mesmo que o gênero investigação policial seja comum no universo televisivo, em A Ponte temos uma série com identidade e personalidade próprias. O roteiro é intrigante e instigante, mas quem rouba a cena é a atriz Sofia Helin na pele da personagem Saga. Ela dá veracidade a Saga, que sofre de uma espécie de Síndrome de Asperger. Algo autista Saga tem dificuldades significativas no trato e na comunicação social. Sua interação social é desajeitada ao ser direta, sem senso de humor e verdadeira, magoantemente verdadeira, incapaz de pequenas "mentirinhas sociais". Seu dialogar é curto e grosso, e ela não entende como lidar com afetos, afeições, toques, carinhos e abraços. Isolada em uma "bolha" de contornos autistas, ela vive exclusivamente para o trabalho, o que a transforma em uma excelente detetive. Parte da origem de sua introversão e introspecção é paulatinamente revelada ao longo das três temporadas até agora filmadas. um show à parte. Para quem gosta de adentrar na psicologia de um personagem, como eu, é um deleite.
Embora o enredo não faça diretamente menção à síndrome de asperger, os indícios de sua manifestação são vários, tais como: comportamento peculiar, ausência de contato visual nas interações pessoais, atenção e concentração obsessivos, falta de empatia, dificuldade em compreender seu próprio comportamento como socialmente inadequado, coordenação motora um tanto robotizada, prestar atenção nos detalhes de maneira analítica, déficits de interação social, inteligência superior à média. Como disse acima, a personagem de Saga dá um tempero picante à série.
Pois é, a Suécia retratada pelos próprios suecos não é a Suécia dos meus sonhos pubescentes. Vai ver que se um dia for para lá vou conhecer uma terceira Suécia.
Välkommen till Suécia.
Joaquim Cesário de Mello
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