domingo, 20 de setembro de 2015
Duas obras melancólicas
Recentemente assisti a uma entrevista do historiador Boris Fausto feita ao programa Roda-Viva da TV Cultura. Entre os temas problematizados, além das velhas questões políticas e da própria escrita da história do Brasil contemporâneo, foi trazido à discussão o mais recente livro desse historiador, que, inclusive, andei comentando aqui nesse Blog. Trata-se do "Brilho do Bronze", um livro de memórias, um diário em que o autor, melancólico confesso, trás as recordações cotidianas após a perda da mulher. Texto muito elogiado por sinal, e, que recomendo.
Num determinado momento da entrevista, um jornalista, que não me recordo o nome, perguntou a Bóris se ele tinha sido influenciado pelo autor uruguaio Mário Benedetti, cujo o livro, "A Trégua", teria, como afirmou, enredo semelhante. Ingenuamente achei a pergunta estranha, até mesmo ridícula, pois se são memórias, não haveria sentido em se ter "influências". Como uma obra da vida real teria sido copiada da ficção? A vida real, pensei, é contingente, foge ao nosso controle, não segue a mesma linha da ficção - mesmo quando se perde proposital ou momentaneamente o controle criativo. Disse acima que fui ingênuo porque fui verificar o romance do uruguaio e desse modo, pude perceber, que a vida é singular, mas a estética nem sempre... De fato, a forma de narrar dos dois autores é muito semelhante, e trazem tragédias parecidas. Costumo dizer que todas as vidas se parecem no final, terminam, invariavelmente, em morte e tristeza, e, nesses dois textos, posso confirmar essa assertiva .
O livro do autor uruguaio é extraordinário, muito bem escrito e de leitura fluída - tive a sensação de que, conhecendo agora, teria lido tarde, fato que me fez ler com rapidez. O texto narra a história de um homem já maduro que, ainda na juventude, enviuvou. Toda vida segue o rumo a partir marca biográfica do luto. A sombra da viuvez é irascível, uma sombra que, melancólica, cria um tom de predestinação para o negativo, para uma vida recordativa cuja memória encontra-se empoeirada. Tal qual o livro de Bóris, "A Trégua" tem formato de diário - o historiador diz, não se enganem, "o meu é um diário, não há ficção".
Somos eternos descontentes, procuramos na ficção a realidade e na realidade a ficção - esses pontos e contrapontos ocorrem quando se faz as duas leituras - eu recomendo.
O fato do livro de Benedetti ter sido lançado há mais de cinquenta anos não desmerece o texto de Boris Fausto, que apesar de parecido no formato (Fausto afirmou nunca ter lido o uruguaio), caminha de forma independente, e como disse, as duas obras são complementares; são, em realidade, duas visões de luto diferentes - em Fausto ligeiramente mais autêntico e visceral, fruto da dissonância e da aridez do relato confessional, ao passo que em Benedetti, o luto é mais literário, prosaico, irônico, por fim, romântico. Um dado interessante, que aqui dou relevância, é o fato de que o personagem de Benedetti ainda com quarenta e nove anos, já está à beira da aposentadoria e do ócio, sente-se velho, de uma velhice precoce, quase contagiosa, ao passo que, em "O Brilhos de Bronze", Fausto mostra toda vivacidade dos seus 84 anos - o luto, neste caso, se instala justamente na constatação tardia do passar dos anos, da viuvez, e da proximidade da morte. Haveria várias maneiras de discutir essa dissonância no tempo. Por exemplo, nos anos 1960, cinquenta anos de idade eram mais envelhecidos que hoje? ou seria a precocidade do luto? Acho que não há nada mais envelhecedor do que o luto melancólico. Como uma casa de móveis imprestáveis, a melancolia traz a tona o sentimento da falta de sentido, da sobra, e da inutilidade. Nessa casa que pode ter sido construída ontem, desce a poeira que a faz pensar de mais idade. O luto melancólico, agarra-se ao objeto perdido como nostalgia, com recordação e dor, tendo como resultado a necessidade infinita de atualização do sofrimento. Victor Hugo tinha razão em afirmar que a melancolia é a felicidade em estar triste, pois observo que todo infortúnio do destino humano só são suportáveis se dermos esse realces estéticos. e a melancolia elabora se sustenta numa estética, a estética trágica.
Marcos Creder
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