O silêncio também possui suas palavras, basta encontrá-las no momento propício e com a sensibilidade pertinente. Todo ser humano é em si mesmo um personagem em busca de um autor. O que há de humano no ser humano é precisamente a linguagem. Esta, através da palavra, é um ingrediente fundante e constituinte do sujeito. Para o psicólogo russo e pioneiro no estudo do desenvolvimento intelectual, Lev Vygotsky, o evoluir do pensamento humano está inseparavelmente ligado à palavra. Para Vygotsky organizamos psicologicamente a realidade em que vivemos mediante o pensamento verbal.
A palavra proferida tem também seu tempo e oportunidade. Já escreveu Dostoievski que "uma grande parte da infelicidade no mundo tem sido causada por confusão e fracasso de se dizer a palavra no momento certo". Todo bom psicoterapeuta sabe a importância do timing no tocante ao instante da intervenção verbal por parte deste. Palavras que buscam tocar na profundeza subjacente das vivências e experiências humanas tendem a mobilizar alguma ansiedade e certo desconforto. O chamado Ego do paciente deve estar preparando e fortalecido para lidar com tais questões e inquietações. Intervenções de tal porte devem ser colocadas em momentos psicologicamente oportunos - e aqui o que vale é o feeling (intuição/sentimento) do psicoterapeuta. Intervenções verbais antes do timing (tempo compatível) tendem a serem rechaçadas e causarem desconforto acima do tolerável. Palavras proferidas no tempo inoportuno geralmente perdem sentido e são esvaziadas de significados propiciadores de insight. Em seu poema Certas Palavras Carlos Drummond de Andrade enfatiza: "certas palavras não podem ser ditas/em qualquer lugar e hora qualquer./Estritamente reservadas/pra companheiros de confiança/devem ser sacralmente pronunciadas/em tom muito especial/lá onde a polícia dos adultos/não adivinha nem alcança". E conclui o poema dizendo "E tudo é proibido. Então falamos".
Sentimento que não se pensa é cego. Daí exprimir Fernando Pessoa "quando sinto, penso". Palavras ordenam, palavras desordenam. Palavras explicam, mas palavras igualmente geram dúvidas. Palavras adoecem, porém também curam (Freud introduziu a "cura pela palavra"). Para o nosso mais celebrado educador, Paulo Freire, o mundo pode ser mudado no dizer das palavras. Para Clarice Lispector "a palavra é meu domínio sobre o mundo". As palavras quando carregadas de significados cutucam nossas emoções e agitam e inovam nosso psiquismo.
Há aqueles que guardam palavras. Há aqueles que exibem as palavras. Muitas das psicoterapias se fundam no exercício das palavras. Escutar palavras não ditas e transformar o indizível em palavras têm um forte poder transformador. Freud dizia que "se a boca permanece em silêncio, falarão as pontas de seus dedos". A palavra é um dos meios que um psiquismo comunica ao outro o que se passa com ele. Por isso é comum se dizer que a escuta terapêutica visa à elucidação dos processos psíquicos do paciente/cliente. É necessário abrir espaço para a pessoa falar. Necessitamos ser compreendidos, tanto quanto necessitamos nos compreender. Só a alma pode melhor saber de si e do que é melhor para ela. Uma boa relação psicoterápica fornece um setting e um clima psicológico que oportuniza a alma exteriorizar-se. As palavras existem para serem escutadas. Pela própria pessoa, tanto quanto por um outro acolhedor.
A escuta terapêutica não é apenas simplesmente escutar a palavra do outro, mas do mesmo modo produzir palavras que vão ao encontro à ajuda demandada pelo cliente/paciente. Desconstruir e construir palavras, significar e resignificar, faz de uma psicoterapia da fala um forte aliado à compreensão, à mudança e ao crescimento psicológico. As palavras assim se impõem e encontram seu mais autêntico espaço de expressão da subjetividade humana.
A palavra quando acolhida é liberalizante. Não se deve calar as palavras quando elas encontram receptividade e abrigo. Um bom psicoterapeuta sabe que para que as palavras se soltem na alma do seu cliente é preciso que ele (terapeuta) cale-se por vários instantes. Evitar consolar para que possa emergir as palavras mais verdadeiras, embora muitas vezes dolorosas, porém necessárias. Calado em momentos, outros o terapeuta fala, afinal sua escuta não é passiva e sim ativa e produtiva. O psicoterapeuta, assim, contribui dialogicamente para que a pessoa do cliente/paciente possa "ver" a alma por dentro com palavras. Mais uma vez Fernando Pessoa: "quem não vê bem uma palavra não pode ver bem uma alma".
Se para Machado de Assis uma palavra puxa outra, se uma ideia incita outra, e assim se faz um livro, o mesmo acontece com o nosso psiquismo. Uma palavra, um nome, pode transformar tantas coisas. Lembra-nos Ésquilo, importante dramaturgo grego autor de peças trágicas clássicas como Prometeu Acorrentado, que "as palavras são um remédio para a alma que sofre". Bem empregadas elas são tão cirúrgicas como uma lâmina afiada de um bisturi que opera cortantemente na alma humana. Não é à toa que o matemático e filósofo Pascal certa vez afirmou: "as palavras organizadas de maneira diversa produzem um sentido diverso, e os sentidos organizados de maneira diversa produzem efeitos diferentes".
Com as palavras edificamos o mundo em que vivemos. É como exatamente diz o escritor inglês Aldous Huxley (de "Admirável Mundo Novo") quando afirma que "as palavras formam os fios com os quais tecemos nossas experiências". As palavras, a fala, são inseparáveis do ser humano; é com elas que modelamos os pensamentos e os sentimentos. É com elas que agimos como agimos. Com a linguagem cria o homem sua existência e seu ser. Com elas ele se conhece e se imagina, sofre, se entristece, se alegra, espera e sonha, deseja e sente. O homem, humanamente falando, vive e respira linguagem e palavras, pois é através do universo simbólico que ingressamos no mundo humano. Por isto o nascimento psicológico vem depois do biológico. O pensamento linguístico, pois, é a semente que gera a árvore que chamamos de ser humano.
Joaquim Cesário de Mello
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