domingo, 24 de maio de 2015

ANTES QUE SEJA TARDE PARA SER CEDO







Em uma de suas músicas cantava Gilberto Gil: "o melhor lugar do mundo é aqui e agora". Sem dúvida, afinal é o lugar onde estamos vivendo agora, este presente fugidio e tão repentinamente breve. E quando o aqui e agora for lá e então?, poderia indagar alguém. Quando o aqui e agora - responder-se-ia - for lá e então, então estaremos no imediato seguinte aqui e agora que continuará sendo o lugar em que estamos vivos e, portanto, é o melhor lugar do mundo. O passado e o presente não existem, a não ser no presente que a partir dele nos lembramos do ontem e sonhamos com o amanhã. Nossas memórias e nossas esperanças nos invadem à consciência quando alargamos o presente além do campo apenas perceptivo. O passado está antes de mim na mesma proporção que o futuro está depois de mim. Em termos agostinianos, no tempo da minha narração (onde a alma vai e volta) sou o futuro que ainda não sou e o passado que já não sou.
     Calma, gente! num surtei não. É que estou a me devanear, alongando-me aos meus confins universais que começa lá de onde vim e haverá de terminar onde não sei se chegarei. Procuro-me em um extremo a outro, e até este exato instante e aqui e agora apenas encontrei o que já dizia Sartre quando dizia: "viver é isso: ficar se equilibrando o tempo todo, entre escolhas e consequências". Equilibro-me, pois, entre dois Joaquins, aquele que nunca fui e aquele que jamais serei. Neste espaço curto de algumas décadas estou construindo uma história que aos poucos, no aumentar de minhas lendas, recordações e sonhos, vai se liquidificando no transitar passageiro minha momentânea existência. Sei que mais pra lá de hoje tudo isso que me forma e me formou será esquecimento. 
     Agora o que faço é dialogar comigo. Compartilho. Da cartola de minha alma retiro um poema de Fernando Pessoa e me recito:

No breve número de doze meses
O ano passa, e breves são os anos,
                Poucos a vida dura.
Que são doze ou sessenta na floresta
Dos números, e quanto pouco falta
                Para o fim do futuro!
Dois terços já, tão rápido, do curso
Que me é imposto correr descendo, passo.
                Apresso, e breve acabo.
Dado em declive deixo, e invito apresso
                O moribundo passo.



Resultado de imagem para tempoO moribundo passo. Nele até agora não pisei; meramente um pouco mais dele me aproximei. E enquanto isso o que farei? Haverei de durar até lá chegar, e vou vivendo. Vivendo não a métrica do tempo, mas o tempo da vida. Abdicar dos relógios que mede os minuto e sorver o minuto a cada minuto.
Resultado de imagem para eternidadeAlguém já disse que o futuro é contra nós. Não o amanhã das esperanças, porém o depois dos amanhãs, o anoitecer das expectâncias e da duração das substâncias. Por isso às vezes me flagro roubando do hoje o que posso, afinal para que aguardar viver mais tarde o que posso viver agora se no mais tarde de mim nada me restará, nem meus relógios e seus afiados ponteiros agudos. Minha perpetuidade encontra-se aprisionada no presente. Sou um quase interminável presente que se estende pela métrica dos dias, até o instante em que chegará um novo presente no qual não terei mais passado nem futuro, lembranças ou sonhos.
Resultado de imagem para Matteo PuglieseSimone Weil já dizia que o tempo destrói o que é temporal. Somos temporais e passageiros. Em minha estrada - esta que a vida me permitiu percorrer e que ainda percorro - deixo atrás um Joaquim que não consegui ser. Receio, temo e me inquieto se lá na frente não terei deixado um Joaquim de agora que também jamais conseguiu ser. O que serei, pois, do que neste instante não sou? Chegará o dia em que finalmente tomarei a decisão de ser eu mesmo, seja lá o que isso possa ser? Terei - como mais uma vez disse Pessoa - a tranquila posse de mim e, então, nascerei de fato como um raio a deslumbrar-me de lucidez? Renunciarei esta roupa que hoje me encobre? Reporto-me, e de delas faço minhas, às palavras do poeta Mário de Sá-Carneiro: "eu não sou eu nem sou os outros,/Sou qualquer coisa de intermédio". Aquém de mim habita-me um potencial; além de mim uma realização que ainda não se fez. Nietzsche já dizia que somos um ponte, uma passagem e um declínio. 
Resultado de imagem para finitudeA temporalidade humana é impossível de eternidade, afirmava Santo Agostinho. A eternidade a Deus pertence. Como humanos estamos presos à temporalidade. Tempo é por definição passagem e mudança. O tempo da vida, da vida terrena, é métrico, enquanto a eternidade é inumerável e incomensurável. A eternidade, assim como Deus, reflete Agostinho, está acima de todo o tempo.
Resultado de imagem para eternidadeE o que faço eu de mim, agora que sei que não sou eterno? O tempo é breve, consume-me. Como escreveu Marcel Proust, "os dias talvez sejam iguais para um relógio, mas não para um homem". Quanto tempo ainda tenho, quanto tempo ainda me resta? Já tenho em minha biografia tantas páginas erradas e viradas. Sobram-me aquelas que ainda nada escrevi. E o que escreverei e com qual caligrafia formatarei o restante de minha história? Se o tempo é - como menciona Jorge Luis Borges - a substância de que sou feito, então que eu faça de mim o Joaquim que nunca fiz desta areia que me ficou no outro lado da ampulheta.
Resultado de imagem para tempo

Na voz de Ricardo Reis fala Fernando Pessoa: "tão cedo passa tudo quanto passa". Quando nasci entrei no tempo. A manhã corre rápido e a noite termina cedo. Quando eu sair do tempo e for para a eternidade da minha inexistência, espero deixar o legado dos meus resíduos dias. Logo não tarda e serei nada, logo eu que sonhei ser quase tudo. A infância findou e não me fiz astronauta. Cruzei a juventude sem medalhas e pódios. Em breve, já na próxima esquina, terminarei a travessia da maturidade. Sonho sonhos de Perseu a degolar o tempo antes que seja tarde. Mário Quintana já dizia que "o tempo é uma invenção da morte". É preciso e urge reinventar-me. Logo, antes que seja muito tarde para ser cedo. Logo, antes que eu vire poeira a me misturar na imensidão infinda do universo inteiro. Logo...


Joaquim Cesário de Mello

Um comentário:

Ranúzia Lima disse...

A morte não é nada.
Apenas passei ao outro mundo.
Eu sou eu. Tu és tu.
O que fomos um para o outro ainda o somos.
Dá-me o nome que sempre me deste.
Fala-me como sempre me falaste.
Não mudes o tom a um triste ou solene.
Continua rindo com aquilo que nos fazia rir juntos.
Reza, sorri, pensa em mim, reza comigo.
Que o meu nome se pronuncie em casa como sempre se pronunciou.
Sem nenhuma ênfase, sem rosto de sombra.
A vida continua significando o que si
gnificou: continua sendo o que era.
O cordão de união não se quebrou.
Porque eu estaria fora de teus pensamentos, apenas porque estou fora de tua vista?
Não estou longe, somente estou do outro lado do caminho.
Já verás, tudo está bem.
Redescobrirás o meu coração, e nele redescobrirás a ternura mais pura.
Seca tuas lágrimas e se me amas não chores mais.
Você citou tanto Santo Agostinho. Por coincidência, foi esse texto que compartilhei com minha família nesse final de semana! Não se tem certeza que é de sua autoria, mas de quem quer que seja, são nessas palavras que acredito. Bjs