ERA UMA VEZ um reizinho (não que
fosse pequeno, mas porque era muito novo de idade) que, com medo de que lhe
roubassem seus tesouros, mandou cercar seu castelo com enormes muralhas,
colocando frente a elas fortes e armados soldados para impedir qualquer acesso.
Não satisfeito, construiu também largos fossos e habitou-os de jacarés e
crocodilos. Colocou grades em todas as janelas, acorrentou com robustos
cadeados as portas, e ordenou que pusessem arames farpados por todos os lados.
Ainda não satisfeito determinou que se assentassem canhões de longo alcance no
alto das torres do seu castelo. Depois, então, de tudo pronto, sentiu-se
protegido e seguro contra qualquer perigo que lhe viesse de fora. Assim, passaram-se os anos e o reizinho foi ficando mais velho. Certo dia,

olhando por detrás de
suas janelas gradeadas a praça que havia fora do castelo, observou as pessoas,
crianças e adultos, passeando e brincando, aproveitando o agradável sol do
final de tarde de verão. Neste instante, o reizinho se deu conta que as mesmas
muralhas, grades, fossos, correntes e cadeados que lhe protegiam, eram na
verdade o que lhe prendiam.
Faz tempo que criei esta pequena
historinha. Vez em quando me recordo dela, principalmente quando estou cá a
pensar sobre nossos medos imaginários e nossas fantasias de um mundo externo
absolutamente hostil, nocivo, agressivo e perigoso. Quanto mais tememos nossos
exteriores – o além de nós – mais arriscado parece sair da “toca”. E corremos o
risco de nos fechar como caramujos em suas conchas. Acaso, desde cedo,
nossas primeiras experiências e impressões do mundo forem adversas e
insuportáveis, bem como tivermos o azar de não encontrar em nossos cuidadores
primários conforto e apoio suficientes, provavelmente edificaremos nossas
personalidades em bases inseguras, e a sensação do mundo que nos cerca é a de
que ele não é confiável, é mau, ingrato e nos provoca angústia, ansiedade e
sofrimento. Continuaremos nossos primeiros e iniciantes passos pelo mundo afora
com receio, medo e desconfiança.
Pessoas que assim se desenvolvem,
desenvolvem uma “personalidade inibida”, isto é, tolhidas na expressividade de
seu self autêntico e do seu eu
criador que possuem dentro de si. Evidente que uma personalidade inibida tem
muita dificuldade de externalizar seu verdadeiro ser. É como se seu verdadeiro
eu estivesse aprisionado, cujas grades são o medo e a vergonha de expressar
quem verdadeiramente são. Melhor diria, de por em prática e expor todo seu
potencial inibido.
A inibição, sabemos, nos remete a restrições. Uma pessoa inibida, muitas vezes
intimidada pela própria timidez exagerada ou medo, apresenta-se insegura, acanhada,
retraída, esquiva, encaramujada, desconfiada, introvertida, arredia e até mesmo
com exagerados sentimentos de culpa ou hostilidade. Tudo isto as levam a ter dificuldades de convivência real, no sentido de poderem expressar com liberdade
o si mesmo para os outros. Poder, sem temor, doar a si
próprio a alguém.
Fairbairn, psiquiatra e
psicanalista escocês, entendia que são pessoas que no início da vida sofreram
privações afetivas e, por isso, desenvolveram um senso de inferioridade. São
indivíduos que parecem proibidos de amar e de serem amados, mantendo seus
objetos libidinais à distância. Não que não tentem algum envolvimento íntimo
com o mundo externo, mas a ansiedade (de caráter persecutório) os faz se
retraírem regressivamente para o refúgio seguro de seu mundo interno.
Imobilizados, pois, pela ansiedade de se machucar afetivamente, escodem-se
por detrás de uma couraça psicológica. Se pudessem seriam invisíveis.
Vejamos um exemplo, que no vídeo abaixo se descreve como Personalidade Esquiva:
Pessoas cujas personalidades se
organizam de maneira paranoide, esquiva ou esquizoide, por exemplo, são de
fundo “PERSONALIDADES INSEGURAS DE SI”, isto é, afora verem o mundo como hostil
e perigoso, sentem-se frágeis e vulneráveis, com fantasias de que, devido a sua
debilidade interna, podem ser manipuladas, rejeitadas, magoadas ou feridas
pelos outros. Trazem fortes sentimentos de inadequação e baixa autoestima, bem
como podem apresentar preocupações, dúvidas, suspeitas infundadas acerca da
confiabilidade em relação as demais pessoas.
Sabemos
que a premissa ou base de nossa personalidade é a autoestima. É sobre ela que
edificamos a pessoa que somos. Muitas vezes uma pessoa hipervigilante e com
abstração seletiva tende a procurar em suas experiências ocorrências ou fatos
que corroborem com a leitura que se tem de si mesma, robustecendo, assim, sua
autoestima negativa e/ou baixa.
No
estudo da psicologia da autoimagem Prescott Lecky considera a personalidade um
“sistema de ideias”. No centro desse
“sistema de ideias” se acha o Ego Ideal do indivíduo, pedra angular da
autoimagem e autoestima. Um Ego Ideal (inconsciente) bastante elevado ou
grandioso, opera no fundo do sistema psíquico de maneira severa e superegóica.
É como se a mente do sujeito, internamente, cobrasse de si mesma uma perfeição
incomensurada que o EGO propriamente dito não consegue corresponder. E neste duelo intrasubjetivo de opressão velada, a pessoa sofre e se autodesvaloriza ou
hiperdimensiona o mundo e seus possíveis perigos e ameaças.
Quando a autoimagem está intacta
e segura a pessoa se encontra autoconfiante e pode, assim, melhor explorar o
mundo externo, e enfrentar o que tiver que ser enfrentado (coping). Quando a autoimagem se acha ameaçada, a pessoa fica ansiosa,
receosa e insegura. A autoconfiança proporciona ao sujeito que ele seja livre
para ser ele mesmo, expressando-se com mais autenticidade. Quando a
autoconfiança é debilitada o sujeito se sente motivo de vergonha e medo, e
tenta se ocultar por detrás de muralhas psicossociais, onde sua expressividade
autêntica, seu verdadeiro self, fica bloqueado.
A convivência genuína fica árdua e difícil.
Trancadas, por detrás das
armaduras habita alguém solitário e carente de afetos. Comportamentos retraídos
e excessivamente preocupados e defensivos provocam elevação do nível de ansiedade,
o que fisioquimicamente hiperativa a glândula suprarrenal aumentando, por sua
vez, o nível de cortisol no sangue.
A
conduta defensiva é advinda de um mecanismo psicológico de defesa, afinal
quando um indivíduo se sente ameaçado ele tende a agir na defensiva, seja
fugindo, seja atacando, seja se fingindo de morto. Este mecanismo evolutivo de
defesa se faz presente frente aos perigos reais, mas também frente aos perigos
imaginários. A grande maioria dos comportamentos defensivos está guardada
inconscientemente em nós desde a infância, razão pela qual pode ser inadequada
a uma situação real adulta presente.
E pensar que muitas vezes tudo pode
ter começado porque uma criança chorou ou riu e ninguém viu...
Joaquim Cesário de Mello
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