domingo, 22 de setembro de 2013

AMOR e FINITUDE

Não faz muito tempo, penso que ano passado, que vi numa dessas reportagens minúsculas de internet, que o homem ou a mulher de 150 anos estaria nascendo por aqueles dias.  Fiquei surpreso e curioso com a matéria e ao esmiuçá-la verifiquei  que a reportagem, na verdade, estava apontando para os avanços da ciência que aumentaria significativamente a expectativa de vida das pessoas. Na mesma matéria estava escrito que que dentro aproximadamente 50 anos nasceria o sujeito de mais de duzentos anos e que daqui há cerca de 100 anos poderia se aventar a possibilidade do ser eterno - sendo esta eternidade relativa, precisamente seria um ser que não envelheceria, mortal por acidente.
 
 
Essa ideia da imortalidade talvez  seja a grande questão, a grande angústia da existência humana. De acordo com o filósofo Karl Japers - mais conhecido no meio “psi” como psicopatologista -  a nossa consciência é eternizada pelas nossas ilusões. A maior ilusão seria a perda da noção de começo e de fim;   não nos lembramos do  início de nossas vidas e certamente não teremos consciência plena do fim.  A consciência de existência vem justamente da ideia de finitude e esta, muito provavelmente, se insurgiu no momento em que o ser humano começou a  se fixar em locais determinados - pois antes éramos nômades - e a ritualizar os funerais. Foi assistindo à  morte alheia que nos defrontamos com a própria morte. Daí vem a angústia inominável que faz da filosofia existencialista preconizar o axioma, de maneira nihilista, do “ser para morte”. Há, contudo, uma ambiguidade entre a ideia de finitude e a ideia de imortalidade.


Todos os Homens São...Há uns bons anos atrás, li um livro,  que só depois fui descobrir que  na ocasião que foi lançado, há mais de cinquenta anos, foi um best-seller. Trata-se do livro “Todos os Homens são Mortais”  de Simone du Beauvoir. Um romance maravilhoso que sob forte influência do existencialismo do pós-guerra, narra a história de Fosco, um conde medieval, que ainda vivia nos seculo XX, época em que conhecera Régine uma atriz de teatro. A narrativa  desenvolve desde o momento em que o personagem descobre, por assim dizer, o “elixir da juventude”,  e conta sua epopeia até o momento em que conhece a atriz. A ideia de eternidade ao contrário do que poderia imaginar, é tão atormentadora quanto a ideia da finitude, pois ao narrar sua vida o personagem observa que o tempo, na medida em que vai se alongando, vai esmagando  sua existência. Os relacionamentos, os acontecimento, as eras, as épocas vão se tornado flashes, grãos de areia da vida. Mesmo contando de maneira angustiante sua história,  ainda sim Régine sente inveja de Fosco especialmente por dois motivos: por ter o privilegio da vida eterna  e por ser muito pequena na vida dele. O único  desejo do personagem imortal é querer morrer, ou ao menos entrar num estado que simule a morte.


A literatura sempre se interessou por essa ideia de eternidade&morte e controle do tempo a começar pelo mito de  Fausto, descrito por Goethe que,  de alguma maneira, foi  reconstruído por Oscar Wilde em “O retrato de Dorian Gray”. Observa-se neste, em especial, um tema  comum aos ávidos pela  eterna juventude: a ideia de que eternos e transgredindo as leis naturais da condição humana, ter-se-ia uma tendência a comportamentos perversos. A juventude perpetuaria e estimularia a vida mundana, a errância e a lascívia, que só o envelhecimento se incumbiria em conter. Admiro em Dorian Gray  a metáfora construída pelo autor de que o personagem se eterniza exatamente no momento em  que é retratado, elevado a arte. Basil Hallward,  o pintor que se apaixonou por Gray, constrói o seu duplo simbólico que paradoxalmente envelhece. A metáfora  da qual me referi  está na ideia de que a arte daria uma certo alento a aflição do ser finito. Mas o texto também eleva arte ao amor em todos os sentidos - a estética, o enamoramento, o desejo e a paixão.

Num desses programas de TV a cabo vi um cientista dizer que o amor  teria inventado a morte. O cientista entrevistado era sucinto e pragmático: antes, os seres eram unicelulares, multiplicavam-se por divisão celular. O amor surge num momento muito mais tardio da evolução, exatamente na ocasião em que divisão "em tronco" se rende à multiplicação sexuada. A multiplicação sexuada inicia, a partir do encontro de dois seres, a formação de um terceiro -  o preço dessa modalidade é a finitude dos pais ancestrais. O amor está no encontro. Difícil responder se essa ideia de amor é pertinente ou por deveras rasa, contudo, afirmar que a sexualidade inventou a morte - uma ideia minimamente curiosa -  merece boas considerações.

 No mundo animal a finitude tem pouca relevância, mas a consciência de existência nos humanos cria pelo menos um paradoxo.  Queremos "ser" não apenas parte de uma espécie, que tenta se perpertuar na reprodução, mas queremos ser como sujeito singular. Essa fronteira entre civilização e sujeito dono de si, abre arestas para a eterna angústia que nos  invade de que teremos um fim.
 
Marcos Creder

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