FUNÇÃO MATERNA
Bebê sozinho não existe, já
afirmava Winnicott. Com essas palavras ele enfatizava que não poderia haver
bebê sem mãe, afinal o ser humano recém-nascido é completamente desaparelhado à
sobrevivência, necessitando absolutamente de um terceiro que lhe cuide e atenda
às suas necessidades, inclusive as mais primárias e elementares. A pessoa que
assim o faz é aquela que exerce não somente o papel materno, mas a função
materna. Para fins de simplificação, chamemos essa pessoa de MÃE.
A
função materna não apenas possibilita a sobrevivência do lactante, mas
igualmente é essencial para a organização psíquica da criança pequena em
formação. É a partir dessa relação primária que o sujeito humano partirá,
posteriormente, para se lançar no mundo. Notável, pois, a importância
fundamental da mãe nos primeiros instantes constitutivos do funcionamento
mental e sua influência vida a fora.
O melhor exercício materno (mãe
suficientemente boa) é aquele em que a mãe saber dosar o amor que ele sente
pelo filho com as necessidades deste ter seus limites, bem como ajustar e
harmonizar seus desejos de proteger o filho pequeno e de libertá-lo gradualmente
à medida que ele cresce rumo à independência e à autonomia. Podemos até dizer
que o desenvolvimento humano é uma caminhar da excessiva proximidade com a mãe
e o desligar-se desta. Separar-se da mãe não significa abandonar de fato a mãe,
mas sim psicologicamente não mais necessitar tanto dela.
A
função materna é uma função de holding (vide conceito winnicottiano), que
corresponde ao amparo que se dá ao bebê, tanto fisicamente quanto
psicologicamente. O dar o colo é mais do que amparar a criança junto ao seio.
É proteger, como uma espécie de para-raios, a mente vulnerável e rudimentar
infantil dos inúmeros estímulos geradores de ansiedade e inquietação.
A relação matricial humana
(mãe-filho) é, ou deveria ser, um ambiente psicologicamente acolhedor para o
bebê. Mas, para que tal aconteça, é necessário uma mãe emocionalmente
equilibrada e estável. Uma mãe não comprometida narcisicamente, isto é, que não
necessite de seu filho para preservar sua autoestima. Uma mãe comprometida pela
depressão, por exemplo, gerará desequilíbrio a esta relação materna-filial e
não conseguirá corresponder ao seu papel de ambiente acolhedor. Assim ocorrendo
não teríamos somente prejuízos marcantes ao desenvolvimento psicológico infantil,
mas também neurofisiológico. Ambos déficits tendem a gerar repercussões a médio
e a longo prazo. Vide artigo EFEITOS DA DEPRESSÃO MATERNA NO DESENVOLVIMENTO
NEUROBIOLÓGICO E PSICOLÓGICO DA CRIANÇA, de Maria da Graça Motta, Aldo Lucion e
Gisele Manfro: http://www.scielo.br/pdf/rprs/v27n2/v27n2a07.pdf
A reciprocidade entre mãe e filho (bebê) é fundamental e relevante. À guiza de exemplificação veja abaixo a experimentação que o psicólogo americano Edward Tronick denomina de still face (rosto impassível):
Os meses e anos iniciais de vida
do ser humano compõem um período sensível e crítico ao desenvolvimento do
mesmo. É neste período inicial que iremos adquirir nossas primeiras informações
afetivas, cognitivas e sociais. Como descreve o supramencionado artigo “em
humanos, a privação materna pode ocorrer mesmo sem a intenção da mãe de prejudicar
o bebê, como, por exemplo, em decorrência da depressão pós-parto (DPP). A DPP
pode favorecer a ocorrência tanto de abuso quanto de negligência principalmente
quando os sintomas depressivos forem persistentes. As
mães deprimidas mais frequentemente mantêm um padrão de comportamento intrusivo
ou retirado (ausente emocionalmente) , danoso para a criança”.
Winnicott, pediatra e
psicanalista inglês, muito contribuiu para o entendimento da dinâmica
relacional mãe e filho. Dentro da perspectiva winnicottiana todo ser humano
traz consigo um inato potencial ao crescimento e muito dependerá do ambiente
que poderá ser facilitador ou dificultador ao amadurecimento. Possíveis
dificuldades da mãe (que para um recém-nascido é o ambiente) geram atrapalhos
ao processo de amadurecimento rumo a futura autonomia. O olhar psicológico da
mãe é fundamental e uma mãe suficientemente boa olha seu filho como algo
diferente dela (em termos narcisistas, é claro).
Ainda
dentro da perspectiva winnicottiana somos inicialmente uma não-integração (o
ego ainda não está integrado). Nesta não-integração necessitará de uma mãe/ambiente
que funcione como continente às suas angústias e ansiedades várias. As respostas
empáticas geradas pela mãe, segundo Winnicott, muito dependerá de sua condição
em exercer uma “preocupação materna primária” (vida conceito). E é a partir
dessa capacidade de a mãe se identificar com seu filho que ela também poderá
exercer com maior eficiência o holding, principalmente devido a sua maior
sensibilidade para com as demandas do infante.
Antes
de uma criança nascer ela já existe. Existe na mente consciente e/ou
inconsciente dos pais. Antes de uma mãe vir a ser mãe, ela foi primeiramente um
filho(a). Embora não nos lembremos nosso psiquismo e nosso cérebro registram a
imagem (imago) do bebê que um dia fomos, assim como registra a imagem (imago)
da mãe que tivemos e da relação que um dia tivemos entre ela e nós. E não
somente a vaga ideia (registro mnêmico) do filho que já fomos e da mãe que já
tivemos, mas também da mãe e do filho idealizados. Ferida nascisistas na
infância da mãe de hoje ressoam por detrás e além dos sentimentos e gestos
maternos.
Evidente,
mais uma vez, que não conseguiríamos em um curto espaço de um blog explicitar a
profundidade de uma relação tão primordial como esta. Alguns textos
complementares podem nos ajudar, tais como:
- UMA CRIANÇA EM BUSCA DE UMA
JANELA: FUNÇÃO MATERNA E TRAUMA
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-71282006000100003
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-71282006000100003
- O DISCURSO PARENTAL E SUA
RELAÇÃO COM A INSCRIÇÃO DA CRIANÇA NO UNIVERSO SIMBÓLICO DOS PAIS(http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1414-98932004000300006&script=sci_arttext)
- AMOR E ÓDIO – A AMBIVALÊNCIA DA
MÃE, editora Companhia de Freud.
- A SOMBRA DA MÃE, editora
Livraria Martins Fontes.
________________________
PS: e tudo que você possa ter
acesso dentro da perspectiva winnicottiana. Pesquisar, pois...
Vide vídeo abaixo:
Joaquim Cesário de Mello
Nenhum comentário:
Postar um comentário