Em 1978 o cineasta Ingmar Bergman produziu um dos mais
importantes textos de sua vasta obra recheada de grandes textos. Naquele ano o
filme SONATA DE OUTONO expôs as vísceras intestinais de uma relação mãe-filha.
Em uma hora e quarenta minutos somos levados ao interior oculto das complexas
relações materno-filiais. As implicações e consequências de uma relação amorosa
mesclada de desejos de ser amado, mágoas, ódios, angústias, conflitos, incompreensões,
carências e solidão mútua.
O encontro de Eva, uma pacata mulher jovem de meia-idade que vive há muitos anos casada no interior da Suécia, com sua mãe narcisista Charlote,
famosa pianista que há anos não vê sua filha, é um verdadeiro embate entre duas
almas sofridas e inexoravelmente ligadas pelo passado infanto-primaveril de Eva
e a plenitude artística e juvenil de sua mãe. Uma relação aparentemente pacata
que ao longo dos anos esconde sobre camadas de conformidades sociais um enorme
buraco impregnado de rancor, azedume, tristeza profunda e muito, muito fel por
parte de Eva em relação à sua mãe emocionalmente distante.
SONATA DE OUTONO é uma verdadeira autópsia de uma relação
mãe-filha, uma relação que pode ser descrita, nos termos de Lacan, como um
vínculo de amódio (amor e ódio). No dissecar dessa relação é impossível ao
espectador não sentir em suas entranhas ecos possíveis e análogos que trazemos
no interior mais interior de nossas almas.
Não obstante, deixamos, abaixo, dois significativos momentos clímax
do filme. O primeiro é o sutil diálogo e colisão através da Sonata Prelúdio op.
28 n°2 de Chopin, em que ambas, mãe e filha, tocam individualmente ao piano, Atentar para o
portentoso e expressivo olhar de Eva (a atriz Liv Ullmann) sobre sua mãe (a
atriz Ingrid Bergman). Uma das cenas mais dramaticamente bem representada e
tocante da história do cinema. Como se diz no popular, os olhos são a janela da alma.
O segundo trecho retrata o momento que, de madrugada,
ambas se encontram na cozinha, e, insones, passam a beber vinho e cada vez mais
Eva se revela à mãe.
Olhem, apreciem, escutem, sintam, degustem essa sensível
e impressionante obra fílmica que nos revela o pulsar oculto da psique humana.
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