"Numa terra de fugitivos aquele que anda na direção contrária
parece estar fugindo"
T.S. Eliot
Nos anos 70 em uma aula inaugural da cadeira de Semiologia Literária do Collège de France, o sociólogo e filósofo Roland Barthes discursou:
"Há uma idade onde se ensina o que se sabe:
Mas em seguida outra em que se ensina o que não se sabe:
isso se chama pesquisar. Vem talvez agora a idade de uma
outra experiência, a de desaprender, de deixar trabalhar o
remanejamento imprevisível que o esquecimento impõe à
sedimentação dos saberes, das culturas, das crenças que
atravessamos. Essa experiência tem, creio eu, um nome ilustre e
fora de moda, que ousarei tomar aqui sem complexo, na própria
encruzilhada de sua etimologia: SAPIENTIA: nenhum poder, um
pouco de saber, um pouco de sabedoria, e o máximo de
SABOR possível”
Pois é. É chegada a hora de me despedir de mais uma turma de Psicologia que, encerrando seu ciclo de graduação, em breve estará iniciando, cada um a seu modo e maneira, seus primeiros passos no campo profissional extra-acadêmico.
Como toda turma, isto é, todo coletivo ou todo agrupamento de pessoas, esta não foi diferente das demais, Raramente uma turma ou classe de aula se destaca acima do banal, do comum e do normal. Porém, em toda e qualquer turma ou sala de aula, há sempre um ou outro que se diferencia, aqueles que se destacam. Sim, comumente há aqueles mais dedicados, mais compromissados, mais curiosos, mais esforçados, mais entusiastas, enfim, mais estudiosos que outros. Uma sala de aula é um conjunto heterogênico de alunos e estudantes. Tem aqueles que só vão se formar, tem outros que apenas estudam disciplinas e assuntos de prova; mas há também alguns que realmente amam o que chamamos de Psicologia. Estes, sem sombra de dúvida, serão os psicólogos do porvir. Outros não sei, provavelmente alguns sim, provavelmente outros não. E assim é feita a vida.
Aos psicólogo do amanhã, do mais breve amanhã, aqui me aparto e me despeço com a certeza de que um dia direi orgulhoso "o psicólogo fulano de tal estudou comigo". Orgulhoso não por ter sido professor dele(a), porém honrado de poder ter participado e testemunhado um dos seus momentos germinais. Todavia, saibam eles (se é que já não sabem), que não foi ali, naqueles estreitos horários semanais de sala de aula, que eles começaram os psicólogos que serão. Você, meu caro ou minha cara colega, iniciou seu futuro profissional quando lá atrás desejou um dia estudar e ser psicólogo. Eu diria mais, foi antes até. O psicólogo que já há em você teve inicio na sua própria história pessoal que lhe levou a desejar ser o psicólogo e o profissional que você será. Suas alegrias, suas tristeza, decepções, realizações, frustrações, experiências e vivências, seus sofrimentos e seus traumas, suas superações, sua resiliência, seus fracassos, tudo isso trouxe-lhe até a FAFIRE e a esse momento terminal de faculdade.
Não é porque estão a terminar um ciclo que vocês estão encerrando algo. Não. Vocês estão apenas continuando, pois ser psicólogo não é um título, papel ou função, mas um interminável gerúndio.
Sei que não estarei aqui quando cada um de vocês chegarem à minha idade atual. Mas, espero que de alguma forma ainda possa estar minimamente em suas memórias, pois, assim como vocês, pauto a minha existência a tentar fazer alguma diferença na vida das pessoas, sejam elas parentes, amigos, clientes/pacientes, alunos ou estudantes. Minha maior realização no exercício de lecionar não é que vocês aprendam a pensar o que penso, a conhecer o que conheço, a estudar o que estudo. Não. A maior gratificação de um professor é ver/sentir um aluno instigado, motivado e incitado em sua curiosidade, abrindo espaços frente ao novo e ao diferente, fomentado em sua criticidade e capacidade de refletir e de romper com paradigmas impostos ou nunca antes questionados. Particularmente, na minha opinião, um professor é acima de tudo um provocador. Ou, como dizia o educador pernambucano Paulo Freire, "ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção".
Sim, tenho a ambição de ser lembrado, não porque fui (porque não sou) inesquecível, mas sim porque tentei ser o mais autêntico possível, o mais contraditório possível, o mais imperfeito possível e o mais verdadeiro possível, ou seja, aquele que pode se apresentar pelo que é (falho e fértil, adulto e menino, agressivo e afável, arrogante e humilde, adequado e inadequado, errado e certo, tolo e esperto), sem as máscaras caricaturais com as quais alguns ditos mestres escondem suas inevitáveis fragilidades e incertezas.
Por outro lado, sinceramente, espero que me esqueçam. Não no sentido da desmemória ou do desaparecimento, mas na essência do esquecimento que nos propõe Barthes, que é a da deslembrança que nos enriquece. Como prega o Taoismo, "na busca do Caminho da Vida a cada dia se diminui algo".
Hoje, esse algo sou eu.
Joaquim Cesário de Mello
8 comentários:
Que lindo mestre. Chorei. Obrigada por todos os momentos vividos, suas aulas pulsam vida, verdade, e nos faz ter vários sentimentos nos momentos em sala e fora dela, nos lembramos de vc e das aulas nos caminhos percorridos na clínica, foi e será sempre um prazer ter tido esta experiência. Obrigada por tudo!
Inquestionável suas lindas palavras professor..
Nessa construção você se fez presente, não duvide. As suas aulas nos levava do riso à reflexão. Sua forma de passar conteúdos diminuía a pressão acadêmica do dia a dia. Quem dera todas as aulas fossem as suas, quem dera todos provocassem como você! Gratidão pelas palavras!
Olá Joaquim
Parabéns pela postagem. Abraços.
Chorei sem dúvidas, sempre será uma honra pra mim ter sido seu aluno. Ou melhor, nunca deixarei de ser, pois, mesmo em algum determinado momento da vida o senhor estando apenas na minha memória pode ter certeza que com suas palavras eu sempre estarei aprendendo algo novo! obrigado por tudo ♥
Que coisa mais linda. Obrigada pelas belas e sabias palavras. Vc conseguiu exercer seu papel de provocador com excelência. E claro, autêntico como ninguém! Me sinto privilegiada de ter sido sua aluna, mas esse privilégio vem acompanhado de um misto de amor e ódio, por nos induzir a buscar um futuro profissional com muita dedicação e por todas as provocações que nos levar a sair do comodismo. Obrigada por ser quem és!
perfeito...
Meu querido, que sensibilidade! Obrigada por compartilhar um pouco desse seu mar de conhecimento. Como diz Rubem Alves "não haverá borboletas, se a vida não passar por longas e silenciosas metamorfoses". Você foi mais que um professor, foi uma metamorfose que transformou meu modo de pensar! Gratidão.
Mylena Thompson
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