Em latim
herdamos a palavra divortium que é
derivada de divertêre. Divertêre significa separar-se, razão
pela qual divórcio representa separação, no caso a separação conjugal. Embora
quem pense em casar não esteja pensando em se separar, a realidade do divórcio
é hoje uma significativa presença no cenário brasileiro. O divórcio cada vez
mais está se tornando uma possibilidade no ciclo de vida familiar e menos uma
acidentalidade.
Evidente que com o caminhar pela
vida ambos os parceiros, ou um deles, sofram transformações ou evoluam com o
tempo, às vezes essas mudanças e crescimentos se façam em ritmos diferentes e
não complementares. Tal “gap” (hiato) que vai surgindo pode ir levando até
mesmo a necessidade de uma separação. Um bom casamento no inicio não é sinônimo
de que será bom a vida inteira. Conjugalidades que não mais proporcionam níveis
de satisfação geralmente levam a problemas de convívio e desajustes conjugais.
O divórcio quando acontece é um
dos momentos mais críticos à família dentro do contexto do ciclo de vida
familiar. Todo o sistema familiar sofre um abalo, algumas vezes de proporções sísmicas.
Por mais consensual que um divórcio possa ser, a separação do sistema conjugal
traz uma complexidade nova à família como um todo, sendo este, portanto, uma
época de adaptação e ajustes.
Lembremos da aula (post)
passada, quando enfatizamos que no casamento 1 + 1 = 3, ou seja, que o
casamento implica a construção de uma nova identidade, além da identidade dos
cônjuges. Pois é, quando acontece de haver separação conjugal a identidade
conjugal construída vai se desfazendo. É uma desfazimento, ou um luto, com o “morto”
vivo, aliás reciprocamente são dois “mortos” vivos. A elaboração do luto pela
separação conjugal passa por este “morrer” bilateral.
O divórcio não representa uma falência
da ideia de casamento. Pode representar a falência daquele casamento específico
e único, mas não do que se busca nele. Sabemos que o casamento é uma área
importante de auto realização social e afetiva, e o término de um casamento não
significa o findar do desejo de ser feliz casado. O divórcio não desqualifica
em si o casamento, pelo contrário abre espaço para que um casamento, que não
mais corresponde às expectativas e exigência, dos cônjuges possa ser deixado
para trás e se parta em busca de um outro que as atenda. Por isto cresce também
o número de recasamentos.
Várias são as causas que proporcionam o divórcio, mas talvez a mais importante possa ser o desamor. Nenhum relacionamento acaba por nada, e em matéria de amor principalmente. Ambos os parceiros, direta ou indiretamente, tem sua parcela de culpa, seja por ato ou por omissão. Embora o divórcio seja algo que se encontra na esfera do jurídico, as questões subjetivas como sentimento e afetos não fazem parte do Direito de Família. Por isto deixemos as questões jurídicas relacionadas ao divórcio de lado (ou melhor, aos operadores do Direito) e nos debrucemos nos aspectos psicológicos do fato em si.
Toda separação é sempre um
momento de perda e de luto, afinal se dedicou tanto tempo sonhando e projetando
no outro e no casamento elementos relacionamos a apego, segurança e felicidade.
Para muitos, até, fica evidente o sentimento de desamparo que a perda do
casamento enseja. Frustrações e decepções estão no pacote chamado divórcio.
Um longo
e doloroso processo de luto necessita ser elaborado, principalmente pelo cônjuge
que não tomou a iniciativa da separação. Trata-se de um findar de um projeto de
vida até então compartilhado e que ambos investiram. Até o cônjuge que tomou a
iniciativa da separação tem também seu luto a elaborar. E estamos aqui a falar
também do luto pelos desejos secretos de nossas almas que buscam no outro
autoestima, idealização, anseios infantis, bem como demandas mal resolvidas com
as figuras parentais.
O luto é
trabalho psíquico, cuja tarefa mental o enlutado deve desempenhar.
Psicodinamicamente falando o luto envolve a libido e a agressividade que o
enlutado deve recolher e redistribuir concreta e simbolicamente. A energia psíquica
antes catexizada no objeto interno (representação mental do cônjuge) precisa ser
desinvestida para que, por outro lado, possa ser reinvestida em outros objetos,
no mundo e na vida. A perda é o início de uma transição (luto) que requer
reorganização de vida.
A primeira etapa é sempre a
aceitação da separação. Nos momentos primeiros é bem possível que haja
fenômenos psíquicos de negação, mas é pela dor da aceitação que começamos o
processo de diminuição e extinção da dor. Superado o choque, inicia-se uma nova
etapa que passar por lidar com os sentimentos ambivalentes de amor, tristeza e
ódio. Enquanto persistir a raiva, por exemplo, alguma não aceitação reside. Conjugado
a isto o enlutado passa a preencher o lugar vazio deixado pelo outro no
cotidiano, inclusive assumindo tarefas e funções antes exercidas por este. Desenvolvem-se
habilidades que antes não eram utilizadas. Na conciliação dos desejos e
lembranças opostas (“fui feliz com quem hoje me fez infeliz”) a fase de
reorganização se processa, pois uma nova vida precisa ser vivida. E quando
menos se vê a dor da separação e da perda, chega-e o instante em que o dor não dói mais.
Alguns estudos sobre o tema
apontam que para a família supere o luto e volte a se reestruturar em seus
padrões usuais de comportamento leva-se um tempo estimado em dois anos no mínimo
aproximadamente para que as famílias voltem a estabelecer um funcionamento mais
satisfatório. Vale a pena o leitor dá uma pesquisada no assunto, podendo
começar com RELAÇÕES FAMILIARES NA SEPARAÇÃO CONJUGAL: CONTRIBUIÇÕES DA
MEDIAÇÃO, de Corinna Schabbel (http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1516-36872005000100002&script=sci_arttext).
Leituras complementares:
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-48382011000100003
http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?artigo_id=9079&n_link=revista_artigos_leitura
Leituras complementares:
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-48382011000100003
http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?artigo_id=9079&n_link=revista_artigos_leitura
Joaquim Cesário de Mello
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