Voltei a andar de bicicleta. Desde a infância que deixara e agora, depois de alguns treinos, voltei a pedalar com habilidade de ciclistas experientes. Pedalo pelas ciclofaixas de lazer, um desses improvisos brasileiros, que são abertos nos domingos e feriados, para que as pessoas da classe média brinquem de ambientalistas e pratiquem a mobilidade auto-sustentável. Interessei-me, num desses passeios, em me aproximar dos ciclistas. Conheci grupos para todos os gostos: os numerosos, os mínimos, os atléticos, os obesos, os religiosos, os fundamentalistas. Não sei por que - talvez por afinidade particular com um integrante - escolhi um grupo que pedalava fora da ciclo faixa e nos dias de semana, realizava verdadeiras missões de longas distâncias pelos arredores do Recife. O líder trajava um vistoso uniforme aderido ao corpo que, emagrecido, assemelhava-se aquelas rãs de azulejos, seu corpo iluminava-se por luzes piscantes alternando as cores brancas e vermelhas. Estas luzes incomodavam, dificultava os diálogos entre os ciclistas. Perguntei-lhe o destino, e ele, com soberba ou sarcasmo, disse-me: começaremos pela av. Rui Barbosa. Perguntei-lhe, então, por qual faixa seguiríamos. Ele sorriu, trincou os dentes e como se me repreendesse: Faixa? av. Rui Barbosa, amigo, somos um equipamento de transporte urbano, precisamos acabar com a lógica autoritária do automóvel. Não entendi o quis dizer, mas, já no início do percurso, percebi que o grupo se espalhara sem cerimônia por toda a avenida contendo mais atrás os automóveis. O nosso comandante fazia gesticulava e apitava como um guarda de trânsito, para que o grupo desconsiderasse o buzinaço dos descontentes. Tentei acompanhar a velocidade do grupo e argumentar com os que estavam atrás para que permitíssemos a passagem dos carros, cedendo uma das três faixas. Fui ignorado, na verdade, uma das pessoa disse-me que na Europa, em Londres, os ônibus seguiam a velocidade das bicicletas. “Só nesse Brasil atrasado encontramos esses condutores arrogantes. Defendemos a causa da sustentabilidade", e acrescentou, “a sociedade agradece”.
Intriguei-me com tanto messianismo. Na verdade, venho me intrigando com o messianismo que nos cerca no dia a dia e que, em nome “do mundo melhor”, terminam por cultuar relações tensas - para não dizer de ódio - com o diferente. Contudo, uma peculiaridade desses devotos contemporâneo, me interessa: seu caráter individualista ou classista. Seus seguidores defendem as suas causas e põem, com ingenuidade, seus opositores no lugar de malfeitores - que como nos filmes de super-heróis, sequer têm a alma de seres humanos - muitos eram alienígenas.
Perturba-me a volta desses super-heróis e a defesa irascível dos oprimidos - o esboço do messianismo. Os ciclistas são bem, do outro lado estão automóveis, seus predadores. Se a causa fosse a dos maratonistas, o ciclista passaria a ser algoz. Esses exemplos, aparentemente tolos, disseminam em tensões importantes na sociedade, culminando em atitudes infantis. Movimentos étnicos, de gênero, religiosos tendem a cair nessas armadilhas ao defenderem a democracia e o fim da alienação da sociedade, mas que terminam por serem mais autoritários e mais expostos a alienação. Tempos atrás, quiseram proibir a leitura de de Monteiro Lobato nos colégios sob alegação de que teria componentes racistas; na Itália quiseram proibir Dante por conta da "Comédia" trazer insultos as religiões Judaicas e Muçulmanas. O texto Freudiano não escapou dessa caça às bruxas, segmentos do movimento feminista o desconsidera por julgá-lo sexista, machista, burguês. Ambientalistas não recomendam a leitura de Moby Dick, Vegetarianos ou Veganos recusam-se e se relacionar com "carnívoros".
Enfim, o que se observa é a consolidação consolidada da relação de intolerância geradora de paranóia. Somos, nessa forma de pensamento, cercados e ameaçados por inimigos explícitos ou ocultos. vivemos no mundo em que toda cordialidade é falsa ou cínica.
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Guilherme Leão
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