Talvez poucos houveram falar de Ortega y Gasset. Desses poucos menos ainda talvez devam conhecê-lo além tão de sua célebre expressão afirmativa: "
eu sou eu e minha circunstância". Rara capacidade condensativa de se sintetizar uma reflexão filosófica profunda. Com esta assertiva Gasset nos coloca a pensar o existir humano no contexto de nossas periferias vitais. Não somos apenas o que somos, mas igualmente somos o que ainda não somos porém podemos ser. "
Só chegamos a ser uma parte mínima do que poderíamos ser", também proclama Ortega y Gasset. O mundo - diz ele - é o repertório das nossas possibilidades de vida.
Não há um eu humano que não esteja inserido em uma circunstância. A circunstância não é unicamente o ambiente o meio e o mundo, mas também o momento histórico, o lugar e o modo que cerca o ser que lhe acompanha inerentemente à essência de sua natureza humanal. É mais do que apenas o entorno físico de um corpo, pois engloba tudo que rodeia o eu psicológico e material, isto é, a corporalidade, a própria vida psíquica, o social, o cultural, o tempo e até mesmo a realidade cósmica em que se vive. A vida de cada um, portanto, é como ele lida e o que ele faz com sua circunstância.
O eu e a circunstância são impartíveis. Somos inseparavelmente inseridos no meio de múltiplas coisas, tais como objetos, pessoas, ideias, valores, costumes, época, sociedade, civilização. Vivemos, pois, em constante encontro de nós e as coisas. O eu psicológico não habita somente um corpo, ele também é vestido pela "carne das coisas"; ou como diz quase poeticamente Ortega apalpamos com a pupila a pele das coisas, Estamos fadados a viver umbilicalmente ligados ao universo circundante, mesmo que não nos apercebamos diretamente tal inevitável ligadura.
Eu sou eu e minha circunstância. Somos o que somos, como igualmente somos o que encontramos. Somos a soma de nossa singularidade mais as condições da situação onde estamos inseridos e nela vivemos. Parece muitas vezes paradoxo, pois ao mesmo tempo em que atuamos no palco da vida também somos expectadores da mesma. Nossas atividades psíquicas ocorrem dentro de um campo psicológico chamado de "
espaço vital" (Kurt Lewin). Para Lewin o espaço vital, em termos psicológicos, representa a totalidade dos fatos que determinam o comportamento do indivíduo em um dado certo momento.
Versou Quintana: "
Onde estão os meus verdes?/Os meus azuis?/O arranha-céu comeu!". As coisas estão aí na nossa frente para serem usufruídas, assim como estão na nossa frente passando e se extinguindo. A paisagem, lembremo-nos, muda com o tempo. Diz Ortega y Gasset "
no tempo que dizemos já vem, a esta paisagem, a esta amizade, a este acontecimento, temos que ir preparando os lábios para dizer já se vão, já se vão". O minuto perdido jamais será recuperado. Para que possamos melhor aproveitar o nosso eu e sua circunstância primeiro é necessário possuir menos ignorância sobre o que somos, como nos fizemos e nos fizeram, bem como nosso contexto e instante.
Joaquim Cesário de Mello
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