domingo, 19 de fevereiro de 2017

O passado levado à serio

No passado não havia sorrisos.  Observo isso nas fotografias do belo texto de Joaquim “A Orfandade das Fotos”- se o leitor não leu, leia. Depois de minha leitura  me dei conta que raramente nas fotos dos nossos antepassados, principalmente da primeira metade do século XX, alguém se mostra francamente sorrindo. Autoridades, cientistas, escritores,  políticos, artistas, atores, todos estão lá revelando nas suas imagens uma franca sisudez. Procurei imagens de outras personalidades como  Machado de Assis, Freud,  Guimarães Rosa,  Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira  e angustiei-me com tanta seriedade. Obstinado e ainda descontente,  fui à Graciliano Ramos, Mário e Oswald  de Andrade,  Churchill, Lênin, Trotsky - escapou um ou outro riso  de Mao Tse Tung e Gandhi - mas todos, em sua maioria, levavam suas imagens (literalmente) à sério.

  Um sorriso aberto como o de Carmem Miranda, uma careta como a de Einstein, um olhar obstinado como de Salvador Dali, eram raridades. Os sorrisos eram estampados apenas naqueles que eram “sorridentes” profissionais, como Chaplin, os personagens de O gordo e o Magro, Groucho Marx e, ainda assim, eram risos expressos com alguma contenção, como se desse de ombros ao público e dissessem; “que posso fazer? trabalho com isso!”



Como diz Joaquim, a fotografia não revela a  alma e se pudesse revelar, penso que revelaria o equívoco. Hoje,  com tantas imagens banalizadas, somos aparentemente mais felizes. O pesquisador ou o arqueólogo do futuro se tivesse acesso apenas às nossas imagens, não hesitaria em dizer, “como evoluíram para a alegria”!

No passado, vestíamos a melhor roupa para a captação de nossa melhor imagem, nos dias de hoje as pessoas vestem-se (ou despem-se)  e explodem-se em sorrisos, para melhor representá-los em fotografias. A palavra “representação” cabe bem aos dias de hoje e, o exemplo  inquestionável desse moderno álbum de fotografias,  é o manual de felicidade dos nossos tempos: ele mesmo, o facebook. No facebook sorrimos, sorrimos e sorrimos. Nos álbuns do passado ou das fotografias em preto e branco impressas em papel, que, como Joaquim disse, guardados  nas caixas de sapatos, encontram-se sujeitos apáticos, severos, alguns melancólicos, todos impregnados de escuridão e de mofo.  

Ainda insatisfeito, mas já chegando à resignação, insisti e percorri ainda algumas fotografias antigas no buscador da internet, e mais uma vez me surpreendi com mais uma surpresa, ou com outras imagens que revelam um paradoxo: nos antigos carnavais brasileiro, as pessoas também posam com sobriedade, como se a câmera fotográfica fosse uma autoridade que pedisse respeito. O carnaval, uma festa tão aparentemente sorridente revela-se naqueles rostos,  um evento carrancudo. Será  realmente um paradoxo? Ou ainda, será o carnaval assim tão esfuziante em alegria? suponho que não. O carnaval mesmo para seus aficionados é uma festa pretérita, uma recordação de um momento jamais alcançado ou que se alcançará. Observem, leitores, nas suas canções, o melhor carnaval foi o que passou e que jamais repetirá. O melhor já morreu. O carnaval, assim como as imagens de fotografias,  são  representações de mais uma entre tantas ilusões humanas, a ilusão da alegria e de retorno ao passado.
Enfim, carnaval e retratos,  além de ilusões são formas de mostrar a nossa parte mais fingida.     
     

Marcos Creder

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