Em
O General e seu Labirinto Grabriel García Márques narra os últimos meses de vida de Simón Bolivar. Dilemas pessoais, amorosos e político se misturam nestes últimos instantes daquele que ficou conhecido como "
o herói latino-americano". Além do mito García Márques nos expõe um ser humano frágil, envelhecido e contraditório. Trata-se de um livro sobre a descida ao inferno de um personagem real literariamente desnudo como uma espécie de um
cavaleiro de triste figura, um Dom Quixote Marqueseano. No cinedocumentário
Allende em Seu Labirinto, dirigido por Miguel Littin, algo de análogo se processa, dada as devidas proporções. O Allende apresentado é heroico quase homérico. Em meio ao desespero de suas últimas horas, cercadas de traições, insídias e intrigas, há também espaço para a lealdade, a dignidade e a integridade de princípios e valores. Por vezes caricato e com falas clichês e personagens estereotipados - como é muitas vezes comum em docudramas - Allende em Seu Labirinto vale mais pela curiosidade e desvelar histórico do que um grande filme. Pelo contrário, é um filme menor com uma grande história verídica, mas que serve um pouco para imaginar o quão devem ter sido elevadamente tensas, confusas, agoniantes e aflitivas as ansiosas horas terminates.
Salvador Allende foi na minha adolescência e começo de juventude um mito e um nome proibido. Talvez tenha sido mais mito exatamente por ter sido proibido. Presidente eleito do Chile (entre 1970 e 1973) em plena guerra fria entre capitalismo x comunismo, Allende era um político marxista e foi o primeiro chefe de estado socialista da história da América do Sul. Diferente de Fidel Castro e Che Guevara, que acreditavam na instauração do socialismo pelo uso das armas, Allende confiava ser possível chegar ao socialismo pela via democrática. O seu estreito tempo de governo ficou conhecido como a
via Allende para o socialismo, Nacionalizou bancos e minas de cobre (principal riqueza chilena) e tentou uma ampla reforma agrária no país. Pressionado pela oposição de direita e, principalmente, pelos Estados Unidos (governo Richard Nixon) criou-se aos poucos um cenário político-econômico propício a um golpe de estado militar. E foi o que aconteceu em 11 de setembro de 1973.
11 de setembro de 1973 começa para Allende às 6:20 hs. com o tocar do telefone e sendo avisado que a Marinha se sublevou a partir do porto de Valparaíso. Uma hora depois Allende vai ao palácio presidencial (La Moneda) empunhando um fuzil Ak-47, presente de Fidel Castro, com vistas a resistir. E assim o filme Allende em Seu Labirinto e a roda da história se inicia naquele hoje distante 11 de setembro de 1973.
"
Não vou renunciar¹ Colocado numa encruzilhada histórica pagarei com minha vida a lealdade do povo. E lhes digo que tenho a certeza de que a semente que entregaremos à consciência digna de milhares e milhares de chilenos não poderá ser ceifada definitivamente. Eles têm a força, poderão nos avassalar, mas não se detém os processos sociais nem com o crime nem com a força. A história é nossa e fazem os povos", discursou pela última vez Allende através de uma estação de rádio às 10:10 hs. de 11 de setembro de 1973. Menos de uma hora depois começa um dos episódios mais dantescos e tetricamente surreal que pode presenciar minha geração à época: o bombardeio ao Palácio La Moneda.
O significado de labirinto é uma intricada combinação de corredores e/ou passagens onde é difícil encontrar a saída. Labirinto também significa uma coisa complicada, confusa, de difícil solução. Simbolicamente labirinto é enredamento, e é isto que o filme em questão aborda: o novelo em que o governo de Allende se emaranhou. Politicamente o destino do mesmo caminhou para a tragédia. Porém a tragédia gerou uma desgraceira violenta: um dos golpes de estado mais violento da América Latina e a longeva ditadura de Augusto Pinochet. (1973-1990). "
Posso escrever os versos mais tristes esta noite", versou certa vez o poeta e Nobel de Literatura Pablo Neruda, que veio a falecer doze dias após o golpe.
Polêmico em sua versão dos fatos
Allende em seu Labirinto tem uma narrativa clássica que se desenvolve linearmente em um ambiente claustrofóbico cuja tensão se eleva a cada minuto. Não é um filme de entretenimento, nem muito menos de lazer dominical, porém uma análise da trama política de um jogo de traição e sedição. Tem o mérito de ofertar aos jovens de hoje uma significativa parte da história que lhes antecedeu, possibilitando, assim, que a história do amanhã não repita em farsa o que o ontem vivenciou como tragédia.
Joaquim Cesário de Mello
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