Há uma passagem em um texto de Nelson Rodrigues que conta que, quando conversava com o dramaturgo Oduvaldo Viana Filho - o criador da série “A Grande Família” - o jovem Vianinha teria dito, melancólico, que o teatro estava com os dias contados. Nelson, irônico, diz aos amigos que o teatro “inventou” de acabar logo nos tempos de Vianinha, e ainda, para atender seus caprichos.
Sou meio cético com os pensadores do “mundo contemporâneo”. Não que eles estejam errados em suas teses, mas acredito que talvez exista algum exagero na visão não “essencialista” do humano, e por essa razão, veem como se estivéssemos muito, mas muito longe de nossos ancestrais, no longo percurso da história da humanidade. Somos sim diferentes dos nosso ancestrais egípcios, dos gregos ou dos romanos, e dos diversos povos que dominaram o planeta, mas isso não nos tira alguns elementos que se cruzam minimamente e mantém algo de essência, ou de ao menos mais duradouro, no ser humano - características gerais, não só biológicas, mas comportamentais, que perduram desde que fomos elevados à categoria de homo sapiens. Feliz ou infelizmente, suponho que não nos desprendemos completamente de nossos antepassados. Os teóricos da contemporaneidade, contudo, relativizam praticamente tudo, sob a hipóteses de que somos constituídos por eventos de construção social.
Pois bem, mantenho o ceticismo e ser cético, não necessariamente, me põe em posição contrária a esses discursos. Concordo com muitas opiniões, contudo, eventualmente, acho uma ou outra declaração de alguns entusiastas no mínimo ingênuas. Vi, por exemplo, um psicólogo, de certo reconhecimento, dizer que somos completamente diferente dos nossos avós…”somos um novo sujeito”, concluiu. Posso até concordar que mudanças ocorreram e certamente ocorrerão, mas, francamente, quando falamos de fatos que ocorreram há quarenta anos, tendo como parâmetro uma existência de milhares de anos, chego a pensar que nós tendemos a pensar o mundo como se ele tivesse a idade de nossos parentes - um pouco mais, um pouco menos. Quando se usa a referência de quarenta, cinquenta ou cem anos, talvez estejamos falando de um grão de areia em uma extensa praia. Só para se ter uma ideia, supõe-se que temos o mesmo arcabouço biológico há pelo menos 150 mil anos. O Homo sapiens sapiens, assim mesmo dito duas vezes (como preferem falar os estudiosos de pré-história) ,tem o mesmo padrão de funcionamento biológico do sujeito que acabou de atravessar a rua compenetrado com um smartphone . Quais são as características desse funcionamento: nos afastamos do mundo animal, incorporamos a religião ou o misticismo, trouxemos a criação artística e a ciência ao nosso cotidiano. Até hoje carregamos esse baú pesado que, penso estamos longe de largar.
Para quem tem interesse em saber um pouco mais desse longo capítulo de nossa história remota, recomendo o livro A Pré- história da Mente de Steven Mithen. É um verdadeiro estudo arqueológico da mente humana desde nossos ancestrais. Esse texto tenta explicar a evolução da mente mais arcaicas dos primeiros hominídeos, que tinham a mente dividida em módulos cognitivos, até a mente integrada do homem moderno. O livro se utiliza de vários elementos de informações arqueológicas para se construir uma teoria evolucionista da mente moderna e de como chegamos a essa complexidade no largo percurso da pré-história. A mente moderna, propõe o autor, está preparada naturalmente ao pensamento artístico, ao religioso e ao científico - tudo ocorre em razão da aquisição da linguagem - um processo bastante complexo, aliás. o resultado disso é que nossa mente é constituída de crenças - única característica que, de fato, nos diferencia da mente de outros animais.
Desconsideramos - e isso suponho que faz parte do nosso incorrigível narcisismo - o longo tempo que antecedeu a história da civilização. Temos uma tendência, igualmente narcísica, de nos horrorizarmos com as mudanças de alguns padrões sociais. Mas... Sejamos modestos: continuamos na “essência” (pura provocação) os mesmos seres que vieram ao mundo a primeira vez há de 150 mil anos. falar de 40 anos atrás é ridículo. Talvez se dermos o valor necessário as informações que a pré-história tem a nos trazer, possamos construir uma teoria psicológica que, em parte, dê conta de uma subjetividade não tão volátil, mas do campo do “perfeitamente ou demasiado humano”. O autor nos adverte: “se quiserem conhecer a mente humana, não procurem apenas psicólogos ou filósofos, certifiquem-se de também procurar os arqueólogos”.
Marcos Creder
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