Desde que o tabaco foi utilizado pela primeira vez pelos europeus, demorou-se nada menos que cinco séculos, ou seja, quinhentos anos, para se constatar que a nicotina provocava dependência química e que a fumaça do cigarro continha milhares de substâncias danosas à saúde, que vão desde os distúrbios cárdio-respiratórios às formações de tumores malignos. Na verdade, o tabaco só foi, por assim dizer, considerado oficialmente danoso à saúde, na década de 1960, ou seja, a cerca de cinquenta anos (cinquenta anos em quinhentos de longa e larga utilização). Acredita-se que o retardo dessas descobertas científicas tenha se dado por várias razões que aqui destaco três: 1. a falta de tecnologia para uma acurada pesquisa científica. 2. O prazer que a substância propiciava em seus usuários, ou seja o desejo em se manter fumante e por essa razão desconsiderar os seus possíveis danos. 3. a forte pressão da indústria do tabaco - esta, talvez a mais importante. A indústria e todo jogo publicitário em relação ao fumo, minimizou, por muito tempo, os risco e deu relevância a supostos benefícios ( isso mesmo! benefícios)
Se se pesquisar os anúncios de marcas de cigarro na década de 1950, por exemplo, se observará verdadeiras apologias ao bem-estar, ao vigor físico, à saúde - inclusive, sugerindo um ou outro fim terapêutico - com o hábito de fumar. Esses comerciais relacionavam o uso do tabaco a beleza física, inclusive, ao hálito agradável. Se o cidadão daqueles anos folheasse as revistas e jornais de sua época, não se espantaria ao ver nos anúncios, crianças, ou bebês, recomendando às mães a usarem uma determinada marca de cigarro, ou um médico relatando o bem-estar e os aspectos terapêuticos, especialmente para as vias aéreas superiores, com a inalação de cigarro. Nesses anúncios nem mesmo papai Noel escapou ao apelo da indústria.
Mesmo com todas as advertências constatadas pelo uso de tabaco, a substância continua sendo comercializada, no entanto, com várias restrições ao uso. Se estabeleceu, por exemplo, nas últimas décadas, locais de utilização, campanhas de esclarecimento sobre os riscos da utilização do tabaco, realizado por profissionais de saúde. Nunca se cogitou - e seria uma infantilidade se cogitar - a proibição do cigarro. A questão não passa pela proibição ou legalização do consumo, mas pela adequada restrição do uso e das campanhas preventivas e esclarecedoras de combate ao fumo.
Constatando-se que, nos últimas 500 anos, apenas nas últimas décadas se chegou a alguma ideia de dano provocado pelo fumo, trago, em paralelo, algumas reflexões sobre a utilização do canabis sativa - tema que vem se discutindo com frequência. Sabemos que a maconha é tão ou mais antiga na utilização quanto o tabaco, no entanto, o mesmo tabaco que hoje é banido e execrado pelos nossos cidadãos, no passado, antes da formação da sociedade industrial, seus danos eram menores ou imperceptíveis. Isso se deveu a utilização esporádica, muitas vezes ritualizadas (em ritos religiosos), que faziam naturalmente uma contenção ao seu uso abusivo ou compulsivo - duas das características da sociedade industrial e pós-industrial, que não se restringe necessariamente apenas as drogas, mas a outros hábitos e condutas (jogo, consumo, sexo, alimentos). Pode-se afirmar que, na atualidade, a organização econômica e social propiciou e propicia sobremaneira a explosão dos comportamentos impulsivos.
Desse modo, não se pode afirmar que não há risco com a comercialização em escala industrial do canabis Sativa. Ultimamente vem se observando em alguns segmentos da sociedade, a ideia de que, ao contrário de outras drogas lícitas ou ilícitas, a maconha seria inócua, terapêutica, com promissores resultados no tratamento de doenças como epilepsia, depressão, ansiedade ou insônia. Argumenta-se que a maconha seria uma substância “natural”, “orgânica” tão inócuo como numa espécie de “alface fumável”. Essa demanda favorável ao uso de canabis me faz lembrar os antigos anúncios de cigarro. Será um novo embuste?
Há alguns anos divulgou-se em conhecida revista britânica de farmacologia, estudos em que se destacava que a nicotina poderia ter efeitos terapêuticos em doenças neurológicas como Parkinson, ou nos quadros demenciais. Essa notícia, contudo, não estimulou as pessoas a voltarem ou a iniciarem o hábito de fumar. Por que? porque, a pesquisa é clara e inequívoca, não é o fumo que faz bem ou é terapêutico, mas uma substância do fumo, a nicotina, que utilizada dentro de determinados padrões e parâmetros, possa ter efeito medicinal. Esse equívoco que confunde o produto com o princípio ativo, não está bem claro em relação ao canabis. Quando se fala de efeitos terapêuticos da maconha, comete-se, minimamente um lapso. Não é a maconha, mas o canabidiol, substâncias química que, entre muitas outras, contém no seu cigarro - que realmente é terapêutico. Para ser mais claro, trago mais um exemplo: há elementos químicos no veneno de cobra que são úteis à medicina, mas não se pode afirmar que jararaca faz bem à saúde.
Como disse acima em relação ao tabaco, os mesmos três pontos que destaquei ao retardo das pesquisas, poderia ser migrado em relação a utilização de maconha. Ainda não há pesquisas que possam afastar seus riscos ou trazer seu benefícios; há um desejo de utilizá-la, em razão de seus efeitos psíquicos; e, que considero mais relevante, há toda uma montagem industrial por trás dessa discussão - Não sejamos ingênuos. Nos Estados do continente norteamericano - onde a ingenuidade comercial passa muito longe - em que a utilização da maconha foi liberada, houve um crescente e agressivo expansão de sua comercialização que vão desde a produção de cigarros até bombons de maconha. Sabe-se que boa parte da indústria do cigarro que encolheu significativamente, migrou para o mercado do canabis sativa.
Com o aumento estatístico do consumo, começa já a aparecer, com mais frequência, alguns transtornos psíquicos relacionados ao seu uso. Sabe-se, e isso não é nenhuma novidade, que quadros psicóticos podem ser desencadeados ou agravados pelo uso de canabis, que síndromes ligadas à perda cognitivas vem sendo demonstrada com o seu uso crônico. Já se evidencia a dificuldade de concentração, atenção e memória com a frequente utilização, alguns desses estudos, inclusive, apontam que o uso na adolescência podem interferir no desenvolvimento intelectivo.
Enfim, não há substâncias inocentes. Talvez o canabis não seja a mais agressiva, mas isso não a torna inócua. o risco de sua utilização deve ser sempre aprofundado para que não se caia nos equívocos que vivemos no passado.
Marcos Creder
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