Há pouco assisti o filme alemão A Onda (2008), de Dennis Gansel, baseado em um experimento social realizado em 1967 em uma hight school americana, em Palo Alto, Califórna. O filme retrata uma semana de aula sobre autocracia onde o personagem central, professor de colegial Rainer Wenge, leva seus alunos adolescentes a praticarem os mecanismos manipulativos de um regime fascista. O que começa como uma lúdica experiência pedagógica vai-se transformando em um perigoso movimento radical de massa. As coisas acabam saindo do controle e termina em tragédia. Assistam o filme, em exibição pela internet, através do canal Netflix.
Não é do filme que vamos agora discorrer, mas sim dos riscos de se abrir a "caixa de Pandora" da alma humana. Na mitologia grega Pandora foi a primeira mulher criada por Zeus que abriu um grande jarro proibido onde continha todos os males do mundo. A curiosidade da alma humana (sim, a alma humana é feminina) está na base das grandes crenças, mitos e lendas sobre a criação da humanidade, como no mito hebraico de Eva que, da mesma forma que Pandora, ousou comer de um fruto proibido. Passar de certos limites tem seu preço e, geralmente, é muito alto e nefasto. Em nossas profundezas não habita o bom selvagem rousseauano, mas sim a besta fera hobbeseana. Como diz o dito popular quem brinca com o fogo acaba se ferindo.
Em um dos maiores livros escritos no século XX, As Origens do Totalitarismo, um clássico do pensamento político, Hanna Arendt expõe as nervuras dos sistemas nazi-fascistas. Historicamente hoje sabemos os seus resultados, suas consequências e a barbárie que eles gestam - como no título de um filme de Bergman: O Ovo da Serpente. A crise e a desordem sócio-política e econômica da Alemanha à época da República de Wiemar (pós Primeira Guerra Mundial) resvala em um mundo social perigosamente paranoico e caótico, onde reside a centelha e estopim para se criar a serpente de um Estado Totalitário. A luta pela sobrevivência e o medo se conjugam na decomposição de um sistema social onde a libido se ajusta à histeria. Estão abertas, pois, as portas que nos separam da perversão. É como diz um personagem do filme: "qualquer um que fizer o mínimo esforço poderá ver o que nos espera no futuro. É como um ovo de serpente. Através das membranas finas pode-se distinguir o réptil já perfeitamente formado".
Freud nos alerta que temos uma tendência inata a destruir e a praticar o mal que são próprias da natureza psíquica humana. A maldade repousa quase quieta dentro de todos nós. Cabe-nos evitar incitá-la e acordá-la. Em termos psicanalíticos a natureza humana é originariamente ID, e o ID é essencialmente instintivo e irracional. Depois é que vem e nasce o EGO no psiquismo, bem como posteriormente a este o SUPEREGO. Nossa estrutura básica é operada pelo Princípio do Prazer e por isso somos inicialmente egoístas e hedonistas a todo custo. Os agentes morais da mente e o Princípio de Realidade são construções que nosso psiquismo vai fazendo através das experiências com o mundo, a vida e as demais pessoas. Sonia Gusmão escreve (em A Natureza Humana Segundo Freud e Rogers) "Tudo o que o homem construiu – as artes, as ciências, suas instituições e a própria civilização – num contexto mais amplo, não passa de sublimações dos seus impulsos sexuais e agressivos. Neste sentido, pode-se afirmar que, sem as defesas é impossível a civilização, e que uma sociedade livre e sem necessidade de controle está fora de cogitação".
Vivemos na dialética da vida humana. Oscilamos entre forças construidoras e forças destrutivas. Freud as chamava de Pulsão de Vida (Eros) e Pulsão de Morte (Tânato). Thanatos na mitologia grega é a personificação da morte. Também no pensamento filosófico chinês encontramos a representação dos opostos em Yin e Yang, respectivamente escuridão e claridade. E é no conviver dessas forças antagônicas e interrelacionadas que psiquicamente devemos desenvolver um EGO capaz de administrar e sublimar o conflito.
Intrigante a condição humana. Capaz de solidariedade e de gestos elevados e nobres, é igualmente capaz das coisas mais torpes e destrutivas. Esta é a essência da nossa natureza: sermos multifacetados, plurais, paradoxais e conflituosos. Talvez sejamos, como diz Nietzsche, uma corda esticada entre o animal e o super-homem, uma corda por cima do abismo; perigosa travessia. Será que um dia deixaremos de ser uma ponte para sermos perfeitos e divinos? Será?...
Joaquim Cesário de Mello
Nenhum comentário:
Postar um comentário