Rebeca vem a algumas sessões do analista e narra a sua história como as pessoas costumam contar hoje, alternando palavras com sucessão imagens, fotos, ícones e emojis das redes sociais que mostram o quanto engordou, emagreceu, envelheceu, rejuvenesceu, quando casou, descasou, recasou, sorriu ou entediou. Na verdade, hoje os fatos não são contados, mas mostrados, as palavras apontam as imagens. Sempre há imagens de crianças, de pessoas amigas, de grupos, de parentes. Há sempre um sorriso, um selfie com uma paisagem atrás.
Mas Rebeca procurou um terapeuta. Então, veio a pergunta, depois de tantos atropelos em sua fala: o que você quer afinal? Indagou o profissional igualmente contaminado por sua confusão. Disseram, responde em tom aflito e hesitante, que eu tenho nobofobia. O terapeuta nunca ouvira falar daquela palavra, “Nomo” o que? Ela, então com algum pedantismo, puxou mais uma vez o celular, deu uma goolgada , e estava lá, “medo de estar sem telefone celular, especialmente smartphone, literalmente no mobility + phobos. Rebeca se dá conta que não sabe falar sem o auxílio da telinha do seu aparelho, ou de imagens que lhe dêem garantias de verdade - a verdade está na imagem, está, portanto, no que os outros veem. “Uma imagem vale mais do que mil palavras”, disse, citando uma amiga de facebook que postou essa frase no seu perfil e conclui, Muitas pessoas dizem coisas lindas. Recordou-se, por outro lado, que brigara com outra amiga - são tantas amigas... - no WhatsApp é que tentara infrutiferamente voltar a entrar em contato, enviou inúmeras mensagens. Soube poucos meses depois que a amiga tinha morrido em acidente de carro. Enviaram a foto e o localizador do acidente - ela inclusive, vira uma foto do acidente no Twitter, mas pensou que era uma pessoa desconhecida. Como essa amiga não fazia parte de seus grupos de “Zaps” , isso fez com que a notícia chegasse mais devagar. Era preciso, pensou, estar em grupo, e isso a fez recordar que havia esquecido de dar o famoso BOM DIIIIAAAA!!!!! para seus amigos. Pediu desculpas ao terapeuta e depois que concluiu com poucas digitadas, pergunta-se, Onde foi que eu parei mesmo? O terapeuta disse que desde que entrou ela estava, em verdade, no celular, que ainda não se desligara do aparelhinho. Pediu, então, para que o desligasse e começasse a falar, fato que Rebeca recebeu com alguma hostilidade e insegurança. Mas falar o que? Qualquer coisa, assim assim? não tenho nada a dizer? “ E se acontecer alguma coisa enquanto estiver desligado?”, disse, “Que coisa?” Perguntou o terapeuta, Sei lá, pode acontecer algo com alguém, um assalto, um acidente. Como sua amiga? Replicou o terapeuta. Rebeca disse que não havia pensado nisso, mas “seria válido” pensar, palavras suas. Conta, então, ao terapeuta que uma amiga havia escrito um blog quando adoecera de uma doença terminal, contou com detalhes - Até que um dia não houve mais postagens. Ao dizer isso, cai em prantos. Ao se recompor, percebeu que falar ali na terapia não fazia muito sentido e olhando para os detalhes da sala perguntou, Você não vai me pedir para eu deitar nesse troço, né? Disse apontando para o divã. O terapeuta responde que um dia talvez fosse interessante. Deus me livre, como vou saber se você está gostando do que eu estou falando ou não? O terapeuta sorri e diz, Você acredita que as pessoas que ao curtirem suas fotos e textos, estão realmente gostando de você . Ela diz que sim - Ora, naturalmente - mas concorda que em muitas ocasiões já curtiu fotos desinteressantes e textos que não leu. Isso é raro de acontecer… Sentiu-se profundamente incomodada com o que acabara de dizer e teve vontade de desmentir tudo. Resolveu soltar uma provocação, Além do mais, aí atrás, você pode ficar jogando candy Crush e não ficar nem aí para mim. Pois é, refletiu o analista, você pensa que desse modo as pessoas estão “aí” - aponta o celular - para você. As pessoas têm que estar ligadas, não é isso?, concluiu e levantando-se , e no caminho até porta disse que ela viesse da próxima desligada.
Revoltada Rebeca eleva o queixo e vê na sala de espera todos como antes cabisbaixo de olho nos seus celulares. Sai às pressas e ao chegar no carro, percebe que havia esquecido o celular no consultório do terapeuta.
(Continua)
Marcos Creder
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