"Dentro de cada um de nós há um outro que não conhecemos. Ele fala conosco através dos sonhos" (Carl Jung)
Antigamente, muito antigamente, acreditava-se que o sonhar tinha relação com o sobrenatural, inclusive que sua base era de inspiração divina. Acreditava-se até que se podia prever o futuro através dos sonhos ou que os mortos nos visitam ao dormir (ainda há resíduos contemporâneos nessas crenças). Os antigos - e aqui me refiro à Antiguidade - já pressupunham que o sonho tinha relação direta com o sonhador, isto é, que os sonhos expressavam o interior da alma humana. Dentro desta visão metafórica criou-se a necessidade de "ler" os significados simbólicos do sonho.
Na peça teatral A Tempestade escreve Shakespeare: "nós somos do tecido de que são feitos os sonhos". Nós e os sonhos, realmente, fazemos parte da mesma substância. E de que substância são feitas os sonhos? Das nossas imaginações; das nossas fantasias; dos nossos prensamentos; das nossas lembranças. O sonho não parte de fora, mas de dentro. É por essência, excelência e natureza interoceptor. Embora muitas vezes possa ele ter resíduos externos (restos diurnos e ruídos ambientais) seu processamento é interno, isto é, pela linguagem da mente e do psiquismo. Do ponto de vista cerebral a ausência de luz nos provoca a produção do hormônio melatonina que é gerado pela glândula pineal. Fisiologicamente hoje sabemos que o sonho é uma atividade psíquica que ocorre durante a fase de sono REM (movimento rápido dos olhos que em inglês se escreve Rapid Eye Movement). Durante o sono REM o tônus muscular se "desliga" e os movimentos oculares se manifestam rapidamente. Aqui a atividade cerebral assemelha-se ao do estado de vigília. Dentro da compreensão fisiológica, o sonho é uma espécie de descarga de informação mental inútil, ou seja, de restos de dados psíquicos que não mais interessam. Seja lá como for, o sonho é um fenômeno psicocerebral intrigante.
Psicologicamente o sonho é constituído de imagens visuais. Em vez de propriamente pensarmos, experimentamos. Por isso acreditamos no sonho na hora em estamos sonhando. Schopenhauer já dizia que "os sonhos são uma loucura passageira. A loucura um sonho que dura". Existe algo de muito próximo entre o sonhar e o delirar, embora o contexto de cada um seja diferente. Há quem acredite que a "loucura" manifestada no estado silencioso do sonho é uma forma psíquica que a mente tem para se manter sã em seus estados habituais de vigília.
Ainda pelo viés psicológico é equivocado dizermos "tive um sonho", enquanto o correto é "eu fiz um sonho": afinal, realizações de desejos inconscientes ou não, expurgos de lixo mental ou não, sonhar é uma atividade da mente de cada pessoa. Em outras palavras: o dono (ou escritor) do sonho é a pessoa que sonha.
Pelo acima exposto, então, é possível que o sonho tenha significados? Sim, é possível, visto ser sua mente e sua personalidade quem o produzem. Lembrando Raul Seixas, sonho que se sonha só é apenas um sonho. Isto é que é um sonho que aqui falamos: o sonho sonhado de uma mente sozinha. Não há mais ninguém nos sonhos que não seja a mente de quem está sonhando e se fragmentando em parceiros ou personagens diversos e cenários vários onde se desenrola a história do sonho.
O sonho é um elemento bastante explorado no cinema e na literatura. Jorge Luis Borges, por exemplo, o mais cultuado escritor latino americano, utilizava do sonho e da linguagem onírica como poucos ou quase ninguém (vide dele: O Livro dos Sonhos), assim como o cineasta David Lynch (vide dele: Cidade dos Sonhos). Ambos os citados transitam com extrema naturalidade pelo universo onírico em uma completa atmosfera não convencional, seja pela utilização do realismo fantástico, seja pelo bizarro de seus personagens e da condução narrativa não linear. Em um dos seus poemas (Sonho) Borges assim escreve: "quando os relógios da meia-noite prodigarem/irei mais longe que os voga-avantes de Ulisses/à região do sonho, inacessíveis/à memória humana/Dessa região imersa resgato restos/que não consigo compreender..."
Não sei dos seus sonhos, caro leitor(a), sei dos meus. Meus sonhos revelam uma existência da minha mente que não conheço acordado. Um Joaquim escondido e de outras metáforas e de outras linguagens. Um Joaquim outro, desligado do meu cotidiano, onde se encena a sua peça em que ele é ao mesmo tempo o autor, os atores, a platéia e o palco. Remeto-me outra vez à voz de Borges: "Não sabemos exatamente o que acontece nos sonhos: não é impossível que durante os sonhos estejamos no céu, estejamos no inferno, talvez sejamos alguém, alguém que é aquilo que Skakespeare chamou de “the thing I am”, “a coisa que sou”, talvez sejamos nós, talvez sejamos a Divindade. Isso se esquece ao acordar. Só podemos examinar dos sonhos sua memória, sua pobre memória”.
Não sei quantos Joaquins me habitam, porém percebo que sou mais e além do que me percebo. "Sonhar é acordar-se para dentro", escreve o poeta Mário Quintana. Na hora calma - diz Fernando Pessoa - não sei quem sou neste momento. É quando meus pensamentos se esquecem dos meus pensamentos diuturnos e cotidianos. Lá, dentro de mim, sou astronauta, guerreiro, ferino e feroz. Lá, outras vezes, sou frágil, vulnerável, perseguido e amedrontado. Sou tudo e não sou pouco. Sou nada ou coisa nenhuma. Às vezes voo, às vezes navego e flutuo. Percorro lugares estranhos e inusitados, outras vezes conhecidos e soterrados. Reencontro meus mortos e meus feridos, além dos tantos desaparecidos. Dialogo com o esquisito e converso com o inexprimível. Enveredo-me por vielas recônditas e becos misteriosos. Tramo histórias, invento eventos. O que me ocorre ocorre-me de dentro e não de fora. No apagar das luzes externas clareio e me incendeio internamente. Liberto das convenções transgrido a física, a lógica e o universo. Sou infinito na brevidade em que sonho. Sou e não sou, nem sei mais quem sou. Apenas continuo mar adentro, até os limites do acordar onde de volta disfarço-me com as várias máscaras que me encobrem de quem penso quem sou. Sonhando eu sou: sou eu de cabeça pra baixo.
Meus sonhos são sonhos meus. Não há manual que os interprete a priori. Se alguma elucidação neles há somente minha biografia, minhas frustrações, meus anseios e meus medos podem dar. Se sonhar é expelir resíduos mentais descartáveis, então deixo o lixo de mim nos travesseiros e sigo em frente, pois novamente irei sonhar. Devo ter muitos restos de mim a excretar. O escritor italiano Giovanni Papini falava que "o sonho é a explosão dos súditos na ausência do rei". Em meus sonhos quem é rei sou eu. Tenho em mim todos os sonhos do mundo, como afirma Pessoa. Minhas quimeras são indecifráveis, exceto no seio de mim de onde brotam. Meus sonhos são sonhos meus. E tão apenas.
Psicologicamente o sonho é constituído de imagens visuais. Em vez de propriamente pensarmos, experimentamos. Por isso acreditamos no sonho na hora em estamos sonhando. Schopenhauer já dizia que "os sonhos são uma loucura passageira. A loucura um sonho que dura". Existe algo de muito próximo entre o sonhar e o delirar, embora o contexto de cada um seja diferente. Há quem acredite que a "loucura" manifestada no estado silencioso do sonho é uma forma psíquica que a mente tem para se manter sã em seus estados habituais de vigília.
Ainda pelo viés psicológico é equivocado dizermos "tive um sonho", enquanto o correto é "eu fiz um sonho": afinal, realizações de desejos inconscientes ou não, expurgos de lixo mental ou não, sonhar é uma atividade da mente de cada pessoa. Em outras palavras: o dono (ou escritor) do sonho é a pessoa que sonha.
Pelo acima exposto, então, é possível que o sonho tenha significados? Sim, é possível, visto ser sua mente e sua personalidade quem o produzem. Lembrando Raul Seixas, sonho que se sonha só é apenas um sonho. Isto é que é um sonho que aqui falamos: o sonho sonhado de uma mente sozinha. Não há mais ninguém nos sonhos que não seja a mente de quem está sonhando e se fragmentando em parceiros ou personagens diversos e cenários vários onde se desenrola a história do sonho.
O sonho é um elemento bastante explorado no cinema e na literatura. Jorge Luis Borges, por exemplo, o mais cultuado escritor latino americano, utilizava do sonho e da linguagem onírica como poucos ou quase ninguém (vide dele: O Livro dos Sonhos), assim como o cineasta David Lynch (vide dele: Cidade dos Sonhos). Ambos os citados transitam com extrema naturalidade pelo universo onírico em uma completa atmosfera não convencional, seja pela utilização do realismo fantástico, seja pelo bizarro de seus personagens e da condução narrativa não linear. Em um dos seus poemas (Sonho) Borges assim escreve: "quando os relógios da meia-noite prodigarem/irei mais longe que os voga-avantes de Ulisses/à região do sonho, inacessíveis/à memória humana/Dessa região imersa resgato restos/que não consigo compreender..."
Não sei dos seus sonhos, caro leitor(a), sei dos meus. Meus sonhos revelam uma existência da minha mente que não conheço acordado. Um Joaquim escondido e de outras metáforas e de outras linguagens. Um Joaquim outro, desligado do meu cotidiano, onde se encena a sua peça em que ele é ao mesmo tempo o autor, os atores, a platéia e o palco. Remeto-me outra vez à voz de Borges: "Não sabemos exatamente o que acontece nos sonhos: não é impossível que durante os sonhos estejamos no céu, estejamos no inferno, talvez sejamos alguém, alguém que é aquilo que Skakespeare chamou de “the thing I am”, “a coisa que sou”, talvez sejamos nós, talvez sejamos a Divindade. Isso se esquece ao acordar. Só podemos examinar dos sonhos sua memória, sua pobre memória”.
Não sei quantos Joaquins me habitam, porém percebo que sou mais e além do que me percebo. "Sonhar é acordar-se para dentro", escreve o poeta Mário Quintana. Na hora calma - diz Fernando Pessoa - não sei quem sou neste momento. É quando meus pensamentos se esquecem dos meus pensamentos diuturnos e cotidianos. Lá, dentro de mim, sou astronauta, guerreiro, ferino e feroz. Lá, outras vezes, sou frágil, vulnerável, perseguido e amedrontado. Sou tudo e não sou pouco. Sou nada ou coisa nenhuma. Às vezes voo, às vezes navego e flutuo. Percorro lugares estranhos e inusitados, outras vezes conhecidos e soterrados. Reencontro meus mortos e meus feridos, além dos tantos desaparecidos. Dialogo com o esquisito e converso com o inexprimível. Enveredo-me por vielas recônditas e becos misteriosos. Tramo histórias, invento eventos. O que me ocorre ocorre-me de dentro e não de fora. No apagar das luzes externas clareio e me incendeio internamente. Liberto das convenções transgrido a física, a lógica e o universo. Sou infinito na brevidade em que sonho. Sou e não sou, nem sei mais quem sou. Apenas continuo mar adentro, até os limites do acordar onde de volta disfarço-me com as várias máscaras que me encobrem de quem penso quem sou. Sonhando eu sou: sou eu de cabeça pra baixo.
Meus sonhos são sonhos meus. Não há manual que os interprete a priori. Se alguma elucidação neles há somente minha biografia, minhas frustrações, meus anseios e meus medos podem dar. Se sonhar é expelir resíduos mentais descartáveis, então deixo o lixo de mim nos travesseiros e sigo em frente, pois novamente irei sonhar. Devo ter muitos restos de mim a excretar. O escritor italiano Giovanni Papini falava que "o sonho é a explosão dos súditos na ausência do rei". Em meus sonhos quem é rei sou eu. Tenho em mim todos os sonhos do mundo, como afirma Pessoa. Minhas quimeras são indecifráveis, exceto no seio de mim de onde brotam. Meus sonhos são sonhos meus. E tão apenas.
Joaquim Cesário de Mello
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