O freudismo gerou, como outras teorias do conhecimento, uma infinidade de dissidências. Como a teoria psicanalítica reina na abstração e se sustenta em parte por pilares metafísicos, a vazão para equívocos, em razão de releituras por demais subjetivas, ocorre com frequência. Das dissidências surgem as escolas, as instituições e suas ideias absolutas formam bolhas teóricas - eventualmente úteis - que trazem aprofundamento teórico, mas, em paralelo, predispõem a formação doutrinária/dogmática - observa-se, com alguma frequência, essas instituições se organizarem como instituição religiosa. E isso não é exagero. Escutamos aqui e ali alguém utilizar dos termos: "doutrina" freudiana, "escrituras", discípulos". Há no panteão psicanalítico, inclusive, um punhado de Judas - ocorre-me Stekel, Jung, Adler, haverá de ter outros. Acrescento ainda que, a forma como se organiza os textos fundamentais, contamina-se em religiosidade: os escritos freudiano seria o “Velho Testamento” da metapsicologia (Judeu), e os escritos dos teóricos pós-freudiano - há vários candidatos a filho do pai, ou quiçá a "anjos caídos" - o “Novo Testamento”.
Disse no outro artigo que a figura de Freud, no senso comum, está fortemente ligada ideia do “complexo de Édipo” e dos conflitos familiares, e somente dessa parte teórica já se pode observar diferentes entendimentos. Na verdade, parte dos teóricos que "reinterpretaram", ou melhor, interpretaram à sua maneira, as tensões das relações parentais, fundamentaram-na em maniqueísmos rasos, transformando o ambiente familiar numa eterna luta entre o bem e o mal. O herói, aliás, é aquele da triangulação que se tornou mais neurótico (ou psicótico) e os algozes em geral é o pai e/ou especialmente a mãe. Na década de 1960 e 1970 – e há quem pense assim nos dias de hoje - muito se discorreu sobre a responsabilidade da figura materna na eclosão dos quadros mentais graves. A mãe foi culpabilizada por provocar um sem número de eventos danosos à vida afetiva do filho. A mãe tornou-se o pivô das psicose e neuroses graves. As pessoas que aderem a essas hipóteses, não estão inteiramente erradas, mas equivocam-se ao dar um caráter moral ao papel da mãe na relação com o bebê - a figura materna é hostilizada pelo seu suposto ardil. Essa mãe tirana ou tiranizada suscita discussões teóricas fervorosas e acusadoras. No entanto, cabe aqui retificar que essa mesma figura padece de sofrimento e caso seja criminosa, desconhece o crime que cometeu - feliz ou infelizmente o inconsciente não pode ir ao banco dos réus.
Mas que papel tem a mãe em psicanálise? Será que quando se refere à função materna, aponta-se para aquela que gerou ou adotou o bebê? Faz-se necessário destacar a função materna, ou outras funções, advém de arranjos subjetivos elaborados pela tensão sujeito/figuras parentais. O lugar de mãe não está restrito ao mundo externo, mas, em especial, ao mundo interno do sujeito - do bebê. Esse lugar é o lugar do acolhimento, da alimento, do alento e das primeiras impressões e experiências afetivas. Esse lugar não é exclusivo da mãe biológica ou adotiva, sequer da mulher, mas daquele ente que assuma essa função. Nos quadros graves de psicose esse “lugar da mãe” é tenso e indefinido. É um lugar ambíguo de sentimentos ambivalentes e de ideias terrificantes. O acolhimento, nesse caso, é hesitante e a depender dessa tensão, não forma indivíduo, pelo contrário, faz do ser um prolongamento do desejo/conflitos dessa figura.
Assisti recentemente a um seriado – embora não costume ver seriados – inspirado no clássico “Psicose” de Alfred Hitchcock. “Bates Motel”, faz alusão ao cenário onde se passou o filme original e traz uma suposta origem dos conflitos dos personagens de "Psicose". Aliás, o cinema trata costumeiramente o tema da psicose (dos transtornos mentais) de maneira caricata e tenebrosa e isso se confirma em no próprio filme de Hitchcock. A série, contudo, mostrou-se diferente e, para minha surpresa, seus personagens foram construídos de forma bem mais elaborada. – cometo a heresia de dizer que, nesse aspecto, gostei mais da série que no filme original. Os dois personagem principais da série, a mãe e o filho, de nomes muito semelhantes: Norma e Norman (Bates), bem interpretados por Vera Farmigo e Freddie Highmore revelam complexa trama da relação mãe lugar/ filho. Uma relação reticente, ambivalente, ressentida em que se pactuam as pequenas as grandes transgressões. Sentimentos de amor e ódio circulam concomitantemente. O gestual, o inaudito, fala bem mais do que o dito. Contudo, o mais relevante do filme e da trama da formação da psicose, é mais uma vez destacar a ideia de que , na relação mãe-bebê, não há culpados. Há, em verdade, uma dramática relação em que se pode julgar seus personagens, mas, quem sabe, escutá-los e entendê-los.
Marcos Creder.
O filme Shine traz um bom exemplo desse conflito. O longa narra a biografia do pianista australiano David Helfgott, em especial, de sua relação com o pai. O pai assume de forma misturada a função de pai e mãe. É um pai autoritário frustrado profissionalmente e migra seu desejo de ser pianista para o filho. Sua relação com o filho é, em verdade, ambivalente, no mesmo tempo em que deseja o sucesso, teme perder o filho para o sucesso. Cabe lembrar que o jovem David teve irmãos, mas apenas ele se submeteu ao conflito do pai e adoeceu - teve um surto psicótico. Para alguns psicoterapeutas, ele foi escolhido. Acrescento, foi escolhido e se deixou escolher. Pois não há lugares de vítima e de algozes na trama ou no drama familiar. Há investimentos danosos de ambas as parte no “capturante” e no capturado.
Ressalvo que, ao tecer este pequeno comentário que destaquei as questões envolvendo a experiência subjetiva ou intersubjetivo do sujeito, o adoecimento psíquico é multifatorial e envolve fatores diversos: além desse que citei, há fatores constitutivos – incluindo genéticos -, ambientais e sociais.
Assisti recentemente a um seriado – embora não costume ver seriados – inspirado no clássico “Psicose” de Alfred Hitchcock. “Bates Motel”, faz alusão ao cenário onde se passou o filme original e traz uma suposta origem dos conflitos dos personagens de "Psicose". Aliás, o cinema trata costumeiramente o tema da psicose (dos transtornos mentais) de maneira caricata e tenebrosa e isso se confirma em no próprio filme de Hitchcock. A série, contudo, mostrou-se diferente e, para minha surpresa, seus personagens foram construídos de forma bem mais elaborada. – cometo a heresia de dizer que, nesse aspecto, gostei mais da série que no filme original. Os dois personagem principais da série, a mãe e o filho, de nomes muito semelhantes: Norma e Norman (Bates), bem interpretados por Vera Farmigo e Freddie Highmore revelam complexa trama da relação mãe lugar/ filho. Uma relação reticente, ambivalente, ressentida em que se pactuam as pequenas as grandes transgressões. Sentimentos de amor e ódio circulam concomitantemente. O gestual, o inaudito, fala bem mais do que o dito. Contudo, o mais relevante do filme e da trama da formação da psicose, é mais uma vez destacar a ideia de que , na relação mãe-bebê, não há culpados. Há, em verdade, uma dramática relação em que se pode julgar seus personagens, mas, quem sabe, escutá-los e entendê-los.
Marcos Creder.
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