O mundo que baniu a poesia é, pois, o mundo do espetáculo. Esta frase não é minha, mas sintetiza muito. Bauman chama estes atuais tempos multicoloridos, vitrínicos, globalizado, rápido e amostrado de "Modernidade Líquida". Liquidez não tem forma, molda-se conforme o recipiente em que se encontra. Liquidez é sinônimo de fluidez, escorrência e facilidade. Remete à abastança, fartura e abundância. O que é fluído flui, escorre entre os dedos, move-se com facilidade, transborda e vaza. Para alguns a modernidade inaugurada por Descartes e pela Revolução Industrial esgotou-se, transformou-se em Pós-Modernidade. Já para Bauman foi a solidez da Modernidade tradicional que transformou-se em líquida, onde tudo é volátil, inclusive as relações humanas. Vive-se hoje, nos dizeres de Michel Lacroix, o culto das emoções fortes, vibrantes, intensas e adrenalínicas. Tudo parece ter ficado tão ligeiro, tão fast, e por isso mesmo tão superficial. Contemporaneamente - afirma Bauman - se diz eu te amo como quem diz bom dia. E qual o lugar da poesia, arte por excelência contemplativa e introspectiva, nos dias que se passam, ou melhor que se escorrem?

Passamos a depender de máquinas e, apenas enxergando imagens e o ligeiro das coisas, coisificamo-nos. Em meados do século passado Marcuse já nos alertava que um homem forjado nas entranhas de uma sociedade tecnológica seria consumista, conformista e acrítico. Perde-se a essência da vida em troca de suas aparências. Uma sociedade cada vez mais industrial e consumista em seus avanços constrói e cria falsas necessidades que visam integrar o indivíduo ao próprio sistema de produção e consumo. Mas, Marcuse, assim como tantos outros e ideias, atitudes e gestos, é do século XX, o século passado, e na atualidade da dita pós-modernidade o ontem é antigamente.
O artista plástico e escultor Giorgio de Chirico manifestava também sua inquietação ao falar quase profeticamente que "perante a cada vez mais materialista e pragmática orientação de nossa era... não seria excêntrico no futuro contemplar uma sociedade na qual aqueles que vivem para os prazeres da mente deixam de exigir o seu lugar ao sol. O escritor, o sonhador, o pensador, o poeta, o metafísico, o observador... aquele que tenta resolver um enigma ou julgar alguém, tornar-se-á uma figura anacrônica, destinada a desaparecer da face da terra como o ictiossauro ou o mamute". Quase profeticamente, pois é isto em que estamos nos tornando: viventes em um mundo escasso de poesia.
"A poesia não quer adeptos - dizia Garcia Lorca - quer amantes". Não é nos livros que a poesia está. Ela está no pó da terra de nossas caminhadas e no fruir do sal das marinas distantes. A moral de um poeta é o fogo do amor que o consome e se exalta. A poesia não é e nunca foi feita de regras e normas. Ela é solta e desperta, e ainda mais se liberta quando se mostra em palavras a pureza impura das formas. Um verso é o reverso da realidade. É a vida colocada de cabeça pra baixo.
O crítico e poeta Nelson Ascher escreve (Folha de São Paulo/2007) que o "o último século, aponta para consumidores cada vez mais preguiçosos, cada vez mais sequiosos de um prazer fácil, repetitivo e que não envolva maiores esforços. Como convencer um público sedado por uma satisfação pré-digerida de que há, sim, prazeres maiores, mas que desfrutá-los requer trabalho, empenho e suor?"
Pensar poeticamente é transgredir, ir além do visível, atravessar o verniz das aparências, encontrar a voz do inexprimível. A poesia é mais verossímil do que a veracidade das verdades impostas, pois ela é o incomum do comum, o sonhar dos acordados, o infinito do limitável. Freud reconhecia que "aonde quer que vá, eu descubro que um poeta esteve lá antes de mim". Porém, dirão alguns, poetas são observadores de pássaros e nuvens. E um poeta responderia: "chega, disse o pássaro/já não suporto tamanha realidade". Os antigos já sabiam que um mundo sem poesia seria um mundo sem beleza. Para Platão o belo não depende dos objetos e da matéria, pois o belo do mundo tocável e do julgamento empobrecido dos homens é apenas um simulacro da beleza verdadeira oculta das coisas. Um poeta é, assim sendo, aquele que vê a vida com um olhar de estrangeiro.
Dizia Lorca que "todas as coisas têm o seu mistério, e a poesia é o mistério de todas as coisas". Certo está e escreve Novalis ao afirmar que a poesia é o autêntico real absoluto. E que quanto mais poético, mais verdadeiro. Dai-nos, então, pois, a poesia das ruas e dos meandros, das intimidades caladas das superfícies, dos gemidos das coisas mortas e da insistência do menino que vê o passar da vida como o adejar transitório de uma borboleta.
Dedico minhas inquietações e desassossegos a todos os poetas do ontem, do hoje e do porvir. Sem eles o mundo seria o que apenas é: uma coisa chata metida em uma esfera redonda.
(À Rose, melodia suave dos meus dias)
Joaquim Cesário de Mello
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