Quando adolescentes, ainda no colégio e especialmente próximo do vestibular, somos orientados por professores de português para que os textos de redação sejam escritos obedecendo importantes regras: não escrever períodos longos, se possível abrir parágrafos - não economizá-los-, não repetir palavras, não escrever ideias redundantes, ser objetivo em relação a uma determinada ideia ou tema, entre outros. Essas regras que regulamentam, por assim dizer, a estética da escrita, quando são feridas, expõe o texto a riscos, e fazem da escrita um desafio, como se fôssemos equilibristas caminhando no fio linear das regras. Rebelar-se à isso seria escrever mal... Seria mesmo? Muitas vezes sim, mas nem sempre, e arrisco em dizer, que precisamos, para uma escrita criativa, eventualmente, ser transgressores de regras da escrita. Contudo, não basta apenas transgredir, é preciso talento, talento necessário para se fazer escritor.
Comparo essa rebeldia grosseiramente com momentos das artes plástica. Por muito tempo defendeu-se o sentido da pintura como de imitação da realidade. O quadro era um retrato agradável de uma paisagem, de uma pessoa, de uma cena doméstica. Os melhores quadros eram os retratos fidedignos da realidade. Surgiu então a fotografia, que a principio parecia destituir as artes plásticas. seria então a pintura apensas um retrato? Inspirado nesse questionamentos, um grupo de pintores resolveu deformar a técnica em nome de uma nova realidade, não mais a realidade objetiva, mas a perceptiva e, na imagem perceptiva, haveria de se somar à imagem, a captação subjetiva da imagem. Se observarmos a pintura impressionista, como a “mulher com sombrinha” de Claude Monet, podemos ilustrar essa nova de maneira de pensar a imagem: os contornos se tornam menos precisos, as cores estouram com a luminosidade, os detalhes de traços se dissolvem, a cor preta - antes fundamental para delimitar imagens - passou a ser evitada. São feitos vários quadros de um mesmo evento com percepções diferentes. Voltemos à literatura.
Há 100 anos era publicada pela primeira vez a obra do escritor francês Marcel Proust, Em Busca do Tempo Perdido, volumes que num primeiro momento passaram desapercebido pelo público e quando, eventualmente, lido pela crítica especializada da época, foi passado por comentários apáticos ou negativos. Muito de sua crítica negativa ocorreu exatamente pelos motivos que aparentemente ferem as normas da boa escrita: o texto de Proust tem períodos longos - muitas vezes, como ouvi falar, “dá sensação de falta de ar” -, vira-se páginas e páginas sem dividir sequer um parágrafo, as letras, as palavras parecem monótonas, cansativas e - aparentemente - falta objetividade, o que faz com que a narrativa transborde em repetições. Enfim, um texto que poderia ser considerado imprestável. O fato, contudo, é que o texto proustiano com todos esses percalços é hoje considerado uma das grandes obras-primas da literatura mundial. E para justificar tamanha importância, cito o exemplo do impressionismo. Ler Proust é conversar, quase cochichar, reservadamente como se tivéssemos nos despertando para diversas várias nuances do discurso: pode-se perceber um comentário elogioso ladear o sarcasmo sem parecer deselegante, ou ainda, um dizer belo e bem humorado, narrado por um por um sujeito adoentado - a doença não tira o êxtase da condição de viver.
Marcos Creder

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