Por volta dos anos 1930, Freud comentou para uns de seus colegas psicanalistas sobre a queima de livros provocada pelos nazistas em praça pública em Berlim: “hoje queimam livros, no passado eram pessoas” . Infelizmente Freud estava errado, pois o que aconteceu foram as duas coisas, queimaram-se livros e pessoas; os nazistas levaram à câmara de gás e ao crematório milhares pessoas, em sua maioria judeus como o próprio Freud.
Esse acontecimento e muitos outros da História, que envolvem violência extrema, trazem indagações: será que o processo de desenvolvimento social “evoluiu” contendo os excessos da violência? Será que continuamos mais ou menos violentos? Será que estamos ainda no mesmo parâmetro de agressividade desde o dia em que pusemos os pés no mundo? É impossível se ter uma resposta para tais perguntas e possivelmente haverá defensores, com algum refino, de cada uma das proposições - pois há sempre há método nessas defesas, sejam elas as mais sensatas as mais escabrosas. Enfim, o que se pode dizer é que não existem teorias que dê conta a todas as variáveis do comportamento violento. Nada impede, contudo, que se possamos trazer especulações.
Há uma conhecida correspondência entre o físico Einstein e Freud que foi intitulado na obra de Freud de “Por que a Gerra?”. são duas belas cartas escritas, em que Einstein tenta buscar no saber da psicanálise as explicações para a guerra e os atos de violência. Freud certamente não “iria ganhar o prêmio nobel da paz” haja vista a franqueza da maneira pessimista com que respondeu. Era-lhe improvável que chegaria o dia em que os atos de violência seriam banidos da vida humana. Freud argumentou que que a natureza instintiva ( ou pulsional - como queiram) obedece as normas da natureza animal - “É isto o que se passa em todo o reino animal, do qual o homem não tem motivo por que se excluir”. Obviamente que acrescenta-se na nossa subjetividade elementos simbólicos, capricho exclusivo do humano, que tentam dar sentidos, muito vezes incompreensíves, ao ato de violência. No mundo animal podemos eleger o domínio de território para propiciar primordialmente a luta pelo alimento. No humano, parafraseamos a frase da música do titãs: “a gente não só quer comida, a gente quer comida diversão e arte / quer saída para qualquer parte”. Freud nesse caso não tem a mesma ingenuidade ou mesmo idealismo que teve ao comentar sobre a queima de livros:
De acordo com nossa hipótese, os instintos humanos são de apenas dois tipos: aqueles que tendem a preservar e a unir — que denominamos ‘eróticos', exatamente no mesmo sentido em que Platão usa a palavra ‘Eros' em seu Symposium , ou ‘sexuais', com uma deliberada ampliação da concepção popular de ‘sexualidade' —; e aqueles que tendem a destruir e matar, os quais agrupamos como instinto agressivo ou destrutivo. Como o senhor vê, isto não é senão uma formulação teórica da universalmente conhecida oposição entre amor e ódio, que talvez possa ter alguma relação básica com a polaridade entre atração e repulsão, que desempenha um papel na sua área de conhecimentos. Entretanto, não devemos ser demasiado apressados em introduzir juízos éticos de bem e de mal. Nenhum desses dois instintos é menos essencial do que o outro; os fenômenos da vida surgem da ação confluente ou mutuamente contrária de ambos. Ora, é como se um instinto de um tipo dificilmente pudesse operar isolado; está sempre acompanhado — ou, como dizemos, amalgamado — por determinada quantidade do outro lado, que modifica o seu objetivo, ou, em determinados casos, possibilita a consecução desse objetivo. Assim, por exemplo, o instinto de autopreservação certamente é de natureza erótica; não obstante, deve ter à sua disposição a agressividade, para atingir seu propósito. Dessa forma, também o instinto de amor, quando dirigido a um objeto, necessita de alguma contribuição do instinto de domínio, para que obtenha a posse desse objeto. A dificuldade de isolar as duas espécies de instinto em suas manifestações reais , é , na verdade, o que até agora nos impedia de reconhecê-los.
Podemos tirar várias conclusões desse fragmento, mas destaco a relação de amor e ódio, tão próximas com afetos e ao mesmo tempo tão distante como conceitos. Ao observar a "guerra" na Arena Joinville vi que ali se rivalizavam ”clãs” que tinham paixões simbólicas ( times de futebol) mas que deixaram de sê-las no momento em que as palavras e os gritos foram insuficientes ou simplesmente transbordaram em agressões físicas.
A palavra é simbólica, o ato é real. Se chamamos aquele lugar de ARENA , remetemo-nos à época do ato em que a palavra foi criada (arena em latim significa areia - a areia onde era derramado o sangue dos gladiadores no Stadium) O que talvez diferencie aqueles que estavam lá na Arena dos que se indignaram, seja um terceiro elemento além do amor e do ódio: a internalização da lei - algo que vem nos faltando e se faz sempre necessário.
Marcos Creder
Um comentário:
Muito bom.
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