Gosto de músicas, mas tenho me
dedicado pouco a escutá-las – escutar
apenas, pois não tenho vocação para tocar instrumentos ou compor canções. Considero a música uma arte sem
igual pois nela se aglutina uma forma de linguagem sem palavras que “comunica”, por assim dizer, sentimentos, intensões
e pesamentos. A melodia é esse palavreado, essa linguagem impronunciável de um som sem idiomas, dialetos ou
sotaques. O estilo é talvez o que
regionalize a música. Uma vez vi, ou ouvi, num filme oriental,
do qual não me recordo do nome, um tema de Tom Jobim. A execução dessa música –
se não me engano “Desafinado”- parecia
abrir uma fenda entre a imagem cinematográfica e a realidade fora das telas,
como se colocasse o expectador dentro da telona ou o oriente tivesse sentado na
poltrona ao lado. É dessa relação do
cinema com música, que falarei em algum momento – nesse ou em outro artigo. Antes,
contudo...
* * *
Quando eu era
adolescente, o acesso à música, às gravações musicais, era muito restrito
e exigia uma dedicação e pesquisa - dedicação que, sinceramente, nunca tive.
Era preciso conhecer pessoas que sabiam de músicas, música da boa, pois sempre havia e sempre
haverá músicas de má qualidade que turvavam o mercado fonográfico. Era também necessário economizar dinheiro para ter acesso aos discos (tanto vinil, como
posteriormente CDs) que não eram nada baratos – a única cópia possível que se
podia ter acesso era gravando em fitas cassetes, que tinha pouca durabilidade e
pior qualidade sonora (embora achasse charmoso o chiado dos intervalos musicais). No mundo da música,
observava-se um sem número de colecionadores de
todos os tipos: desde os estilos musicais menos comerciais aos de discos raros, com álbuns autografadas ou
de capas alternativas – as capas dos
discos, especialmente em vinil, era uma arte à parte, desde a época
do jazz que havia uma estética gráfica bastante sofisticada nas capas, fato que posteriormente entrou em franca decadência com a redução do tamanho já no
formato de CD .
No Recife existiam
locais excêntricos e insalubres, verdadeiros labirintos, em que se caçava um
disco de rock, de blues, uma versão antiga de Milton Nascimento, ou um tema de
Paganini. Os discos de músicas instrumentais clássicos eram geralmente comercializados em lojas
especializadas e sempre havia um submundo da compra por contrabando de capas
raras. A música tinha materialidade, era um objeto, uma relíquia, uma joia, um amotoado de capas de
papelão com forte apelo visual. Com o passar dos anos os arquivos musicais
foram ganhando (ou perdendo) outras formas, reduzindo-se gradualmente, até
chegar aos dias de hoje, momento em que começam, de fato, a perder a materialidade. A música volta à dimensão do imensurável, do
impalpável, dando ambiente sonoro as cenas cinematográficas, “fundos” musicais,
animando encontros, festas, raves, recepções e solenidades. A música voltou a
ser o que sempre foi: invisível.
O fácil acesso ao
universo musical pode hoje nos propiciar a alegria poder disponibilzar músicas e versões raras com um simples teclar
de computador, mas não excluiu o
trabalho dos caçadores de melodias e canções. Muito pelo contrário. Na medida
em se facilitou a disponibilidade, paralelmamente fez crescer sobremaneira o
número de “músicos” e novos “compositores”, e assim como no passado em que se
garimpava na escassez, hoje garimpa-se no excesso – talvez um trabalho mais
difícil. Fisgar uma boa canção num oceano de sonoridades é o novo percalço do
colecionador - se é que assim podemos ainda chamar os que capturam músicas
novas.
Como nunca me
dediquei a busca de novas melodias, uma
das maneiras de que fui capturado pela música, foi através das trilhas de
cinema. O filme além de ter bom texto,
bom roteiro e elenco, geralmente, tem que ter uma boa trilha. Sempre gostei
de trilhas de cinema, sempre guardei curiosidade com a maneira com que determinados temas
são escolhidos para a construção cênica – disseram-me que Taratino no seu
processo de criação, faz o inverso, escolhe a música para pensar posteriormente
a cena. Enfim, se perdi a capa do disco,
Hoje resta-me o cartaz de cinema.
Continuarei.
Marcos Creder
Lembrei da primeira vez que escutei o disco de Amélie Poulain e comentei: "essas músicas dariam um filme lindo". Depois descobri que alguém fora mais ágil na ideia, e mais talentoso do que eu para colocá-la em prática rs
ResponderExcluirFiquei muito feliz quando vi que o filme estava à altura da trilha sonora.