Dentro desta linha de caráter celebrativo principiaremos a nova coluna (VALE A PENA VER DE NOVO) com o primeiro artigo que iniciou a jornada semanal do LiteralMENTE, em 11/03/2012, cuja proposta é abrir um diálogo entre a clínica do psiquismo e a experiência da arte em geral, com textos dominicais alternados entre os coordenadores (Marcos Creder e Joauimm Cesário), bem como de eventuais colaboradores e seguidores. Faça parte você também da "Família LiteralMente", inscrevendo-se ao lado como membro, e tenha sempre LiteralMente em suas telas e telinha, sejam elas móveis ou fixas.
Boas releituras...
_____________________________________
UNIVERSO ATEU
Terrence Malick é um cineasta, no mínimo, estranho ao padrão da indústria cinematográfica americana. Recluso, não é de aparecer na mídia, evita o culto a celebridade, e em quarenta anos de carreira só realizou cinco longas metragens e um curta. Seus filmes são geralmente cercados da áurea de obras de arte, principalmente após o magnético “Dias de Paraíso”, reconhecidamente um dos mais cultuados filmes da década de 70.
Formado em filosofia por Harvard, Malick nos oferece filmes contemplativo, por isto mesmo sem grandes atrativos populescos. Por detrás da eloquência e beleza plástica de suas imagens, seus filmes são marcados de simbolismos, erudição e valores. No filme em questão, “A Árvore da Vida”, temos a discussão implícita do criacionismo versus evolucionismo.
De cunho religioso, espiritualista e místico, também temos logo na abertura do filme uma citação bíblica do Livro de Jó quando Deus indaga: “Onde estavas tu, quando eu fundava a terra?”. Pulsante como as imagens, o filme oferta pérolas do pensamento Agostiniano e da psicologia humana. Com base na obra “Natureza e Graça” de Santo Agostinho o enredo fílmico é um verdadeiro tratado sobre a vida e como escolhemos vivê-la.
Natureza, usualmente, significa o mundo físico, assim como filosoficamente representa o princípio da ação. Para Santo Agostinho, embora a natureza seja criada por Deus, devido ao pecado original ela se acha enferma e necessitando da graça. Em uma espécie de remédio a graça atua não contra a natureza em si, mas em relação a sua debilidade (gratia non tollit, sed perficit naturam).
E neste contraponto entre a graça e a natureza o cineasta parece fazer sua escolha de maneira mista, isto é, ambos. Antes houvesse assistido a este filme, porém era impossível, pois ele é somente recente. Pai jovem, eduquei minha filha com um rigor de quem educa para a sobrevivência e a vida. Estive tolamente mais no polo da natureza, enquanto minha esposa ofereceu a nossa filha toda sua generosa bondade cheia de humildade e perdão. Mas eu era jovem e trazia comigo a amarga solidão de uma orfandade precoce.
Da fervura abrasadora dos primeiros instantes cósmicos surge aos poucos a vida no esfriar e diluir das larvas escaldantes. Com a velocidade do tempo imensurável a vida se transforma, extingue-se e se renova. Em meio a uma natureza que, como diz o etólogo Richard Dawkins, “não é cruel, apenas implacavelmente indiferente”, onde muitas vezes gritamos e suplicamos por Deus e ouvimos como resposta a natureza, aprendemos a importância de amar. No altruísmo do amor ao próximo encontra-se a lição no pensamento em off do filme:“ao menos que você ame, a vida passa como um flash”.
Talvez possa estar sendo pretencioso inaugurar-me aqui no blog com a admiração existencial ao filme “A Árvore da Vida”. Afora a poesia imagética, o conteúdo filosófico, e a beleza artística e estética, o filme me fascinou muito mais pelo que residualmente me deixou após sua exibição. Não é um filme fácil ou digerível, até mesmo não é um filme inaugural em termos reflexivos e narrativos. Assisti-lo requer bagagem. Acredito que é um deleite para aqueles que já passaram por “poucas e boas”, mas que ainda se assombram com o simples fato de existir além de apenas respirar.
(originariamente publicado em 11/03/2012)
Joaquim Cesário de Mello
Nenhum comentário:
Postar um comentário