O poeta é por natureza um
psicólogo e o psicólogo é por ofício um poeta. Ambos buscam o por detrás das
aparências, o profundo das superfícies. Ambos perscrutam o significado
indelével e indizível das subjetividades e a desnudez dos sentimentos ocultos.
Ambos xeretam o interior das coisas e no encontrar do impalpável transformam
espanto em palavras, gestos e versos. Ou como escreve Mário Quintana, "ser poeta não é apenas dizer grandes coisas,
mas ter uma voz reconhecível dentre todas as outras”. Seria diferente com o
psicólogo? Afinal, ambos, são como nos dizeres de um outro poeta, Paul Éluard: "muito
antes é poeta aquele que inspira do que aquele que é inspirado”. Ou o que
nos ensina Jung não é pura poesia? (ou seria pura psicologia?): “Quem olha para fora sonha, quem olha para dentro
desperta”.
Sim, triste é aquele que vive
sem poesia, pois não conhece a psicologia da vida e assim não vive, somente
sobrevive. Quero a loucura lúcida de que fala Quintana, pois é certo, como diz
Shakespeare, que “enquanto houver um louco, um poeta e um
amante haverá sonho, amor e fantasia. E enquanto houver sonho, amor e fantasia,
haverá esperança”. E a esperança – lembra-me Aristóteles – é o sonho do
homem acordado.
É, Freud já sabia. Ele mesmo reconhece e afirma que “aonde
quer que eu vá, eu descubro que um poeta esteve lá antes de mim”. Não há nada
mais poético, pois, que ser psicólogo. Não o psicólogo burocrático, um barnabé
da ciência, mas aquele que se depara com o verso quando enxerga e apalpa a
alma. É no encontrar dos espíritos que o humano se revela. E é lá, onde minha
alma toca a alma alheia e esta a minha, que nasce um poema. Se assim não fosse
não versaria Florbela Espanca que ser poeta é “morder como quem beija”.
Em
psicologia se busca mais do que o sentido do que se pensa e das palavras,
procura-se, feito quem cata, o sentir e seus sentimentos. O homem em toda sua
humanidade é posto como que de cabeça para baixo. É adentrar através da alma
como quem atravessa espelhos, seguindo coelhos. E assim o que é frugal se torna denso, o que é
prosaico se torna homérico, o que é matéria se torna etéreo e o que é rasteiro e
pedestre se transforma em assombro, sumo e espanto. Faz-se psicologia como quem
converte prosa em verso. Assim, tanto o poeta quanto o psicólogo propõem a conversão do olhar.
O mistério só é mistério quando dele se desconhece. O
pensador e poeta Níkos Kazantzákis nos
fala sobre o andar inseguro por meio do invisível:
“Ouço uma ordem dentro de mim:
- Cava! Que vês?
- Homens e aves, águas e pedras.
- Cava mais! Que vês?
- Idéias e sonhos, relâmpagos e fantasmas.
- Cava ainda mais! Que vês?
- Não vejo coisa alguma! Só a Noite, muda e espessa como a morte. Deve ser a morte.
- Cava, cava!
- Ai, não posso atravessar a muralha negra! Ouço vozes e prantos, ouço bater de asas do outro lado!
- Não chores! Não chores! Não é do outro lado! As vozes, os prantos e o bater de asas são o teu coração!"
- Cava! Que vês?
- Homens e aves, águas e pedras.
- Cava mais! Que vês?
- Idéias e sonhos, relâmpagos e fantasmas.
- Cava ainda mais! Que vês?
- Não vejo coisa alguma! Só a Noite, muda e espessa como a morte. Deve ser a morte.
- Cava, cava!
- Ai, não posso atravessar a muralha negra! Ouço vozes e prantos, ouço bater de asas do outro lado!
- Não chores! Não chores! Não é do outro lado! As vozes, os prantos e o bater de asas são o teu coração!"
O que é, pois, do homem que não olha a vida com
olhos de poeta? O que ele vê quando vê uma folha caída de uma árvore? Uma folha
caída de uma árvore. O que ele vê quando vê um óculos esquecido em um sofá? Um óculos
esquecido em um sofá. Ou quando vê um
outro chorando? Uma pessoa chorando. É isso o que ele vê: fenômenos e coisas,
tão somente. Carece ele enxergar sentindo o imóvel e invisível que se esconde
por detrás do evidente transitório da existência e de seus
conteúdos. Os sutis e finos cordéis que nos movimentam e nos movem são imperceptíveis aos olhos do corpo e da face. É necessário ser poeta, filósofo e psicólogo (ou
tudo isso junto e algo mais) para atravessar o árido deserto das aparências e encontrar
o oásis encoberto da vida que só a alma pode encontrar.
Ah,
como queria ser mais poeta! Transformaria esta visão em poesia, e meus afetos
em minha mais própria e mais íntima psicologia
Joaquim Cesário de Mello
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