Andei lendo algumas biografias nos últimos meses e observei que a vida
de algumas celebridades, pelo menos da literatura – Dante, Jorge Luiz Borges, Clarice
Lispector, Kerouac entre outros – tem uma duração de quatrocentas ou quinhentas
páginas. Brincadeiras à parte, fiquei me questionando qual seria a
espessura da vida de uma pessoa comum. Alguns certamente diriam que seria bem
menos que de uma dessas celebridades. Especulo, contudo, que a vida das pessoas
comuns tem infinitas e incontáveis páginas. Por quê? Simples. Porque
as biografias tendem a focar um aspecto da vida dos sujeitos, e sua vida
privada circunda em torno de sua obra, ao contrário da não celebridade que tem
diversas nuances, sendo uma delas, a principal, a incansável tentativa de singularizar o que chamamos de “pessoa comum”. A pessoa comum segue o mesmo padrão
do conto de Borges, “ O Livro de Areia”, que narra, em curtas páginas, a história
de um livro sem fim ou começo.
Li recentemente uma biografia de
Dante Alighieri, por sinal, um excelente e extenso texto – da escritora e pesquisadora
inglesa Barbara Reynolds – e nele pude
constatar que o verdadeiro “biografado” é o texto a “Divina Comédia”, ou seja, a
vida privada de Dante é mais citada dentro da obra que nas pesquisas paralelas. "A Divina
Comédia”, ou simplesmente “A Comédia” como chamava Dante, destaca aquele
aforismo da literatura que diz que toda obra tem algo de autobiográfico.
Recentemente estava no aeroporto entediado
com horário de voos atrasados e resolvi passear pela livraria a procura de
algum texto curto. Não demorei muito para encontrar o livro: “Christhopher
Hitchens – Últimas Palavras” uma autobiografia de um escritor conservador americano. O livro tem apenas noventa páginas. Seria uma vida medíocre? Teriam os conservadores uma vida tão
insossa?
Hitchens além de conservador era um ateu convicto - fato que para quem leu, deveria fazer como Dante, "deixar de fora toda esperança". O livro discorre pouco sobre a vida do autor e faz, na verdade, relata a “ biografia”
de sua doença - um câncer pulmonar, que o levou a morte. Um texto belíssimo,
apesar de denso, sofrido e melancólico, que me remeteu aos tempos de estudante de medicina quando estagiava em hospitais gerais. Não existe algo tão presente para o
estudante de medicina quanto à morte, mas, paradoxalmente, a morte é uma das
palavras menos pronunciadas na angústia médica. Penso que todo estudante de medicina
e de psicologia deveria ao menos dar uma folheada nesse livro. Geralmente os estudantes estão meio
que focados em livros técnicos já consagrados na área como “Sobre a Morte
e o Morrer” – uma espécie de Best-sellers do profissional de saúde escrito
pela psiquiatra suíça Elisabeth Kübler-Ross. Proponho que sejamos
mais abertos ao texto leigo. Hitchens nos dá uma aula de relação
paciente-instituição-terapeuta (médico). Insisto em dizer que o texto não técnico
tem muito a nos dizer.
Marcos Creder
De fato os textos não técnicos tem muito a nos mostrar. As vezes aprendo mais com um romance do que com um livro que fale dos mecanismos psíquicos.
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