A
palavra solidão tem enorme peso. Só em pensar sentimos correr pela espinha
um arrepio de medo, às vezes até de pavor. Ninguém, de sã consciência, quer se
sentir sozinho e em solidão. Mas será que ficar sozinho tem de ser algo tão
maléfico assim? Será que estar solitário tem de ser sempre relacionado à
melancolia ou tristeza, abandono ou rejeição? Não creio. E sobre isto
versaremos agora.
Solidão
não é somente uma palavra, mas um sentimento. Sentimento que nos faz sentir
sensações de vazio. Quando se sente solidão a pessoa sofre a dor psíquica de se
sentir ilhado e isolado. Contudo, não confundamos solidão com estar sozinho ou
desacompanhado, pois a solidão é o típico sentimento que tem estreito
relacionamento com a falta de identificação com o outro. Por isto é tão comum
falarmos de solidão urbana, ou até mesmo de solidão a dois em alguns casais,
por exemplo. Neste aspecto estar sozinho por vontade própria não é solidão, ou
seja, não significa que a pessoa esteja sentindo-se abandonada e refutada pelo
mundo. A solidão é debilitante, principalmente se prolongada. Não é o caso de
quem prefere estar sozinho por um tempo, pois isto é ou pode ser bastante
fortificante e reparador. Solidão gera sofrimento; estar sozinho gera reflexão,
aprofundamento e criatividade.
O
dia a dia é impregnado de distrações que muitas vezes acabam nos alienando de
quem somos. Procurar, às vezes, o silêncio externo não representa estar em
silêncio, afinal dentro de todo ser humano há muitas vozes, algumas até sussurrantes.
É necessário, pois, calar o mundo para encontrar nossa mais autêntica fala. É
quase como naquele provérbio oriental que diz que devemos escurecer para achar o
brilho da mais tênue luz. Ou como sabiamente escreveu Santo Agostinho: “não saias fora de ti, volta-te a ti mesmo; a
verdade habita no interior do homem” (in interiore homine habitat
veritas).
Introversão e interioridade; é
disto que estamos abordando, e é isto que verdadeiramente nos propicia a
experiência de conhecermos e sermos quem realmente somos. Não existem monstros
dentro de nós, apenas alguns fantasmas. O que convecionamos chamar de inconsciente
não é um buraco negro cheio de demônios e pulsões, nem somos em nosso âmago tão
malignos assim. Sim, somos ou podemos ser bons, da mesma maneira que somos ou
podemos ser maus, inclusive conosco mesmos. Quanto mais nos conhecemos melhor
podemos escolher. E é aqui que reside a riqueza e a qualidade da conversa
interior. Quanto mais dialogamos conosco mais vamos conhecendo a pessoa que nos
habita. Esta pessoa, tantas vezes negligenciada ou esquecida, é alguém com quem
podemos de fato contar. O Eu de cada um de nós, o Eu de todos nós, é um Eu
multifacetado. Quanto mais sabemos transitar por nossos labirintos internos e
interligar cada pedaço de nós mais nos potencializamos, inclusive
emocionalmente. Isto facilita certa blindagem contra a solidão, afinal somos a
melhor companhia de nós mesmos.
Interessante assinalar que
recentemente foi lançado na praça o livro “O Poder dos Quietos”, da escritora
americana Susan Cain. Nele ela afirma que as grandes ideias, descobertas
científicas e obras artísticas e literárias da humanidade vieram de pessoas
introvertidas, como Einstein, Newton, Yeats, Proust, Spielberg, Chopin, Gandhi,
entre tantos. “sem os introvertidos, não haveria a teoria da relatividade,
os noturnos de Chopin, o Google”, afirma. Perde-se muito tempo e energia
querendo-se ser o centro da atenção, quando o centro da atenção é a pessoa que
está dentro de cada um de nós.
É cá dentro que encontramos a
sensibilidade, a criatividade e o controle de nossas emoções. É também aqui
dentro que estão as ideias e os pensamentos, assim como os sonhos, as fantasias
e os desejos. Mais importante do que querer TER um companheiro(a), TER um bom
salário, TER filhos, TER um milhão de amigos, TER uma casa e um carro novo, TER
felicidade, é SER um companheiro(a), SER um bom profissional, SER pai, SER
amigo, saber SER consumidor, SER feliz. O TER é encontrado fora, já o SER
dentro.
E como não findar (devido ao
parco espaço) sem, mais uma vez, a voz de Fernando Pessoa a ecoar em meus
ouvidos por meio dos versos do poema “Eu, eu mesmo...”:
Eu, cheio de todos os cansaços
Quantos o mundo pode dar. –
Eu...
Afinal tudo, porque tudo é eu,
E até as estrelas, ao que parece,
Me saíram da algibeira para deslumbrar crianças...
Que crianças não sei...
Eu...
Imperfeito? Incógnito? Divino?
Não sei...
Eu...
Tive um passado? Sem dúvida...
Tenho um presente? Sem dúvida...
Terei um futuro? Sem dúvida...
A vida que pare de aqui a pouco...
Mas eu, eu...
Eu sou eu,
Eu fico eu,
Eu...
Joaquim Cesário de Mello
Um comentário:
Sem palavras.
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