Em
tempos de facebook uma das palavras mais usadas e gastas é amizade. Todo mundo
lá é amigo. Dezenas, centenas, milhares de amigos. Amigo hoje virou artigo de
consumo quantitativo, ou seja, mede-se quem é mais querido e mais amado pelo
número de amigos disposto em uma página de entrada em um site de relacionamento
atualmente em moda. Lá as pessoas se chamam mutuamente de “amiga” ou “amigo”
com uma facilidade e velocidade megabitianas. Realmente (ou seria
virtualmente?) se vive cada vez mais o oposto do que um dia expressou o poeta
Carlos Drummond de Andrade para quem “a
amizade é um meio de nos isolarmos da humanidade cultivando algumas pessoas”.
Mas
não fiquemos em queixumes do tipo hoje é assim e ontem era assado, como se o
canto do pássaro na gaiola de agora não fosse melhor do que o do pássaro na
gaiola de outrora. Tolice. Toda uma geração anterior – quando não havia celular
nem internet – cantou ou se embalou pela voz de Roberto Carlos que cantava “eu quero ter um milhão de amigos e bem mais
forte poder cantar”. Enfim, quem não gostaria de ter um milhão de amigos ou
até mais? A questão talvez não seja esta (quantitativa), mas outra
(qualitativa), afinal é necessário primeiro saber o que quer dizer amigo quando
digo, escrevo ou penso em amigo. Amigo é uma palavra, um conceito, um
sentimento, um desejo, uma premência, uma ilusão, um ideal, uma realidade, um
sonho, uma simulação, ou o que? O que significa amizade?
Como
termo, amigo origina-se do latim amicus
que por sua vez derivou-se amore. Há
quem diga que a origem etimológica da palavra amizade não pode ser determinada
com precisão. Cícero (filósofo e orador romano), por sua vez, escreveu De Amicitia, obra em discorre não em
responder o que é amizade, mas como se vive a amizade. Já Aristóteles, em Ética
a Nicômaco, expõe a sua visão da amizade como uma virtude essencial à vida.
Para este fundamental pensador ocidental são três as espécies de amizade, a
saber: 1) a amizade pelo prazer, 2) a amizade útil e 3) a amizade perfeita. Se
formos ao período medieval vamos encontrar a ideia de amizade associada à
coragem e à lealdade. Enfim, seja como for, ao longo da história do homem o
mesmo deu importância ao tema e o cultivou.
O
que estamos querendo destacar é que o conceito de amizade e o que se deseja de
um amigo sofre variações ao longo do tempo, bem como de sociedade e de cultura.
Para os antropólogos a amizade parece derivar de uma necessidade de
sobrevivência, isto é, a necessidade de proteger e de ser protegido. Todavia alguns
aspectos ou critérios se fazem relevantes, tais como confiança, reciprocidade,
cooperação, cumplicidade e familiaridade. Seja como for, a amizade é uma
relação afetiva (um laço) entre duas pessoas.
E
de que espécie ou tipo de amizade estamos falando quando falamos do facebook?
Lembremos que o facebook da vida só é o sucesso que é graças ao background
sociocultural contemporâneo onde o que conta é ser visto, onde o cartesiano
“penso, logo existo” parece haver sido substituído por “sou visto, logo existo”. Ou como bem escreve o sociólogo Zygmunt
Bauman: “O que o Facebook, o Myspace e similares ofereciam foi recebido
alegremente como o melhor dos mundos. Pelo menos foi o que pareceu àqueles que
ansiavam desesperadamente por companhia humana, mas se sentiam pouco à vontade,
sem jeito e infelizes quando cercados de gente”, afinal prossegue Bauman “é
possível fazer “contato” com outras pessoas sem necessariamente iniciar uma
conversa perigosa e indesejável. O “contato” pode ser desfeito ao primeiro
sinal de que o diálogo se encaminha na direção indesejada”.
A
amizade retira o homem de sua solidão, pois é próprio da natureza humana
recusar o isolamento. Nascemos sendo apoiados por alguém (função materna) e
continuamos vida afora com a inescapável necessidade de colo. Nada é mais doce
– como já dizia Cícero – que o coração de um terno amigo. Não basta
encontrarmos alguém que chamemos de amigo, é preciso igualmente que ele nos
chame de amigo. Em outras palavras amar uma pessoa e ser por esta amada.
Os
gregos, ah sempre os gregos!, utilizavam de várias palavras para falar de amor,
desde eros até philia. Philia é o amor virtuoso e desapaixonado, que inclui
altruísmo, dedicação e generosidade. Até um deus eles tinham para a amizade,
Storge. O amor storge é o amor do compartilhamento, da confiança mútua, do
entrosamento, da integração e dos sonhos compartilhados. Ou se preferirmos a
voz de um poeta sobre o assunto, diremos que “a
amizade é um amor que nunca morre” (Mário Quintana).
Das três áreas afetivas importantes do ser
humano - família, relacionamento sexual-afetivo e amizade – as duas primeiras
são, de longe, as mais pesquisadas e estudadas. Os aspectos psicológicos da
amizade carecem, pois, de investigação mais acurada. Embora seja menor a
literatura específica sobre o tema, a partir de meados dos anos 80 do Século
XX, a amizade começou a ser tema de maior reflexão e foco de indagação teórico-acadêmica.
Mas ainda é proporcionalmente escasso na literatura das ciências sociais e
psicológicas o tema como figura e não como fundo. Frequentemente a amizade é
vista ou descrita como uma relação afetiva e voluntária, que envolve práticas
de sociabilidade, trocas íntimas e ajuda mútua, e necessita de algum grau de
equivalência ou igualdade entre os sujeitos amigos.
Há o discurso da
amizade e há a prática da amizade. Como uma relação humana íntima que é a
amizade esta é colorida não somente pelos sentimentos, mas também pelas
emoções. Evitando idealizar a amizade, consideremos que ela é passível de
ambiguidades e de momentos até de mágoas e ressentimentos. Cabe a maturidade
das pessoas envolvidas e suas tolerâncias a frustrações o exercício e a
capacidade de compreender, perdoar e superar. Praticar amizade assemelha-se a
um cuidar de jardim. Por isso que muitas amizades da adolescência (período das
paixões e das intensidades) não sobrevivem à própria adolescência. Laços mais
consistentes e duradouros requerem uma certa adulteza entre as partes. Erik
Erikson, por exemplo, diz que é a partir de aproximadamente 20 anos em diante
que o ser humano, psicossocialmente falando, acha-se em condições maturais
necessárias ao estabelecimento de verdadeiras relações íntimas (amor e
amizades), sem o idioma idealizante da infância e adolescência.
Não há regras nem
dicas de como preservar e perpetuar uma amizade. Cada pessoa a seu modo e
maneira, carência e desejo, é que encontra seu melhor espaço de convivência e
manejo. Claro que alguns pré-requisitos parecem inerentes, tais como não ser
invasivo nem cobrador de atenção, o respeito mútuo (embora possa haver
divergência de opiniões) e a aceitação das limitações tanto do amigo em questão
quanto da própria relação em si. Fazer novos e renováveis amigos até que é
fácil; difícil é conservá-los ao longo das intempéries da vida. A manutenção de
uma autêntica amizade a ser desfrutada por anos e décadas é algo mais raro, bem
mais raro, do que as amizades ocasionais ou casuais. Encher a boca e dizer que
fulano ou sicrano é amigo não significa que de fato seja. Amizade não é somente
agradabilidade, simpatia e compartilhamento de gostos e valores. Claro que isso
tem sua importância, mas amizade, amizade mesmo, é cultivo. Tal cultivo, por
sua vez, exige tempo, disposição e disponibilidade. Amigos festivos vêm e se
vão no acabar das festas. Aqueles que ficam quando as coisas não estão para
sorrisos de facebook, aquele que não desaparecem nos momentos ruins e que estão
lá presentes como sempre estiveram, estes sim são os que devemos chamar de
amigo.
Segundo um antigo
provérbio chinês “na seca conhecem-se as
boas fontes, e na adversidade, os bons amigos”. Não, não se iluda caro
leitor ou leitora, em uma sociedade ideologicamente de consumo amizades viraram
abundância e descartabilidade. Remetendo-me a um post (Um Mundo Desatento, em
24/06) do amigo Marcos Creder e comparando um amigo a um bom e denso livro é
necessário o prazer e os esforços de usufrui-lo e de se fazer usufruir
lentamente e sem pressa. Amigos não são abas abertas em uma tela de computador
e o excesso e a intensidade de conectividade social nos engana de saborosas
relações pseudo-amigas, como um delicioso hambúrguer no McDonald’s servido com
Coca-Cola.
Entre uma
cutucada e outra, entre um dedinho de curtição ou outro, vamo-nos empanturrando
de amigos falsobookeanos. Aos meus cerca de 300 amigos que arrecadei em um
mísero mês de rede social dedico este despretensioso texto, se é que a maioria
deles conseguiu chegar até o final do mesmo.
Até o próximo post, amiga(o)...
Joaquim Cesário de Mello
Minha mãe dizia que o melhor amigo da gente somos nós mesmos, será? Amizade é algo raro. Sou amiga de quem conheço os gostos, o sim e o não, os momentos, o coração. As amizades de hoje se dissolvem muito rápido, pede e exige demais, não resistem ao tempo, nem muito menos as palavras, você diz algo que o outro não goste de ouvir, e já era! Sem falar que são muitos que buscam amizades ideais como se o próximo fosse um projeto dele. O próprio Facebook como outros meios sociais, e mesmo livros, novelas e filmes quebrou o conceito de amizade, confundindo a cabeça das pessoas e as deixando se levar pelo mundo supérfluo. Se salva o clássico O Pequeno Príncipe ao dizer "A gente só conhece bem as coisas que cativou - disse a raposa. - Os homens não têm mais tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo já pronto nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos. Se tu queres um amigo, cativa-me!" Talvez este cativar seja o cultivo que temos que ter ao outrem. Sem ele não há relação que se solidifique a ponto de resistir aos baixos e altos da vida. Curioso os “tantões” de pais, filhos, irmãos, esposas, maridos que não são amigos entre si! E só recebem tal denominação! Pois também não são pais, filhos, irmãos, maridos, esposas! Antes de sermos outras coisas é preciso ser amigos. Acredito eu ter mais colegas do que amigos! Acho curioso como às pessoas se surpreendem ao saber que há alguém que só tenha um ou dois amigos! Mas pergunto ao autor, se este blog, é feito por dois amigos de tempos de escola, como se deu o cultivo para sobrevivência aos longos dos anos? Talvez um exemplo a ser seguido.
ResponderExcluirCristiane