POESIA EM MOVIMENTO
Joaquim Cesário de Mello
Conheci Francisco (Chico) Espinhara no início dos anos 80 do século XX. Tive este privilégio, embora tão passageiro, de conviver um pouco com um poeta verdadeiramente poeta, não daqueles que somente fazem versos, mas daqueles que vivem diuturnamente poesia. Chico não era apenas um poeta. Chico era a própria poesia em pessoa.
Como um dos principais idealizadores
do Movimento de Escritores Independentes (conjuntamente Cida Pedrosa, Eduardo
Martins, Héctor Pellizi e outros), editou o jornal alternativo Lítero
Pessimista. Quando por aqui viveu e militou teve intensa participação na cena
literária local. Publicou e participou de vários livros, entre eles Vida
Transparente e Bacantes, e produziu o CD Vários Poemas Vários. Sua existência
intensa em nosso meio marcou toda uma geração, principalmente aquela que
respirava a existência e transpirava literatura e que orbitava pela Livraria Livro
7, na Rua Sete de Setembro, seus arredores, vielas, becos, botecos e adjacências
. Nós, transeuntes das noites e conviventes com a “dama bastarda”, como assim Chico chamava a poesia.
Se reconhecendo um pessimista por
convicção Chico – que era leitor de Augusto dos Anjos, Dostoievski, Kafka,
Edgar Allan Poe, Nietzsche, entre outros de igual quilate – sempre se orgulhou
de ser uma espécie de soldado e guerreiro a serviço de uma causa: a boa
literatura. Vale a pena ver sua entrevista reeditada em 18/05/2010 no blog
VersuDiversus coordenado por Cecília Villanova onde Chico fala por Chico, sem
nenhuma reticências.
Falecido em 2007, aos 47 anos, Chico
Espinhara deixou-nos um rico legado que transcende aos seus textos. O que dele
herdamos é esta agradável lembrança de um homem que viveu até seus últimos
instantes coerente com suas ideias e que fez de sua vida vivida um inesquecível
poetizar pulsante e perambulante. Não, Chico Espinhara não fora um “poeta
marginal”, pois marginais são aqueles que vivem à margem da vida e Chico
existiu no centro da vida, seja lá o que isso for.
Para mim apenas sei que Chico
Espinhara foi o Charles Bukowski da minha juventude.
Pude me despedir dele semanas antes de sua morte, conversando poesia e literatura como sempre fizemos, isto é, no verdadeiro underground recifense que são os bares da Rua do Riachuelo, tomando cerveja e queijo coalho assado. O Chico daquele dia era exatamente igualzinho ao Chico dos anos 80.
Pude me despedir dele semanas antes de sua morte, conversando poesia e literatura como sempre fizemos, isto é, no verdadeiro underground recifense que são os bares da Rua do Riachuelo, tomando cerveja e queijo coalho assado. O Chico daquele dia era exatamente igualzinho ao Chico dos anos 80.
É, Chico, você não vai ao meu
enterro e talvez por isso num fui ao seu. Afinal, de verdade e de fato, em mim
você não morreu.
* * * * *
EPITÁFIO
N° 529
Não vou a
enterros.
Que o morto
Se guarde no que é seu.
Se incorro em erro,
Perdoem-me: irei ao meu.
Que o morto
Se guarde no que é seu.
Se incorro em erro,
Perdoem-me: irei ao meu.
FANTOCHES
Os fantoches da rua Sete
Seguem cegos na procissão.
A puta diurna da Palma
Traz uma venérea na alma
E uma cova diária na mão.
Da Ponte Velha a secular ferrugem
Reticente ao trajeto branco da nuvem
Come o estrado, o arco, o vergão.
Os poetas esquecidos no beco
Transam sangue a trago seco
Dormem como trapos sobre chão.
Recife, musa, maldição
Cadela suja, traiçoeira
Seta certeira
Encantada cidade do cão.
Os fantoches da rua Sete
Seguem cegos na procissão.
A puta diurna da Palma
Traz uma venérea na alma
E uma cova diária na mão.
Da Ponte Velha a secular ferrugem
Reticente ao trajeto branco da nuvem
Come o estrado, o arco, o vergão.
Os poetas esquecidos no beco
Transam sangue a trago seco
Dormem como trapos sobre chão.
Recife, musa, maldição
Cadela suja, traiçoeira
Seta certeira
Encantada cidade do cão.
Francisco Espinhara
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