Terminamos
a primeira parte do presente texto destacando que uma relação
interpessoal psicoterápica proporciona o acionamento de aspectos e
fatores psicológicos salutogênicos que há em qualquer ser humano.
Para tal é preciso ter consciência deles e saber manejá-los a
serviço dos objetivos e propostas terapêuticas. E não se poderia
adentrar no tema sem transitar por Bowlby e pela Teoria do Apego.
Bolwby,
psicanalista e psiquiatra inglês que proporcionou uma conciliação
entre a Psicanálise e a Etologia, postulou, com base em evidências
etológicas, que laços afetivos existentes entre aves e mamíferos
(incluso o ser humano) são processos psicologicamente desenvolvidos
com base na tendência de adaptação para se estar próximo a uma
figura de apego. Existe no bebê humano, como em outros animais, uma
inata aptidão para o contato com outro ser do espécime, isto é,
outro ser humano. Tal propensão ingênita representa a necessidade
de um cuidador além de uma necessidade alimentar. O apego que nos é
uma tendência inata é uma inclinação a um tipo de vínculo onde o
senso de segurança está intimamente ligado a um objeto de apego. A
partir das vivências relacionais com tal figura de apego (cuja
presença proporciona segurança e conforto) cria-se naturalmente uma
espécie de “base” ou “porto seguro” de onde se pode partir
para explorar o mundo.
Os
achados da Teoria do Apego, também chamada de Teoria do Convívio,
abriram enormes janelas à compreensão dos processos de mudança em
psicoterapia. Tais achados, portanto, demonstram que a principal
tarefa de um psicoterapeuta é exatamente ser uma figura de apego. A
relação terapeuta-cliente, nomenclaturas à parte, é sempre uma
relação de apego-cuidado.
Os
comportamentos de apego são condutas instintivas (sim, o ser humano
além de ser um ser cultural, moral e social, é antes de tudo um
animal) que são eliciadas em situações de stress e medo. Como
mecanismo básico e biologicamente programado o sistema de apego
envolve um objeto de apego que estando disponível oferece respostas
e sentimentos de segurança. Todos temos necessidades de segurança
e proteção. E é a partir das primeiras relações de apego
(inicialmente com as figuras parentais) que a criança que um dia já
fomos vai construindo internamente um modelo representacional de si
mesma fundada na maneira como ela foi cuidada. Durante toda a vida do
ser humano o comportamento de apego está presente. Emitimos sinais
comunicacionais que buscam aproximações e interações com outras
pessoas, isto é, buscamos responsividade as nossas necessidades
psíquicas e vincularidades. As necessidades de figuras de apego que
nos proporcionem uma “base segura” são tão vitais para a alma
quanto é o alimento para o corpo.
Estudos
mais apurados sobre a vinculação apontam para a importância desta
no tocante a melhora clínica, isto é, a respeito dos resultados
positivos alcançados pela psicoterapia. Embora alguns
psicoterapeutas não se apercebam disso, muito das melhoras, êxitos
e sucessos terapêuticos alcançados deve-se a relação vincular. O
poder que tem a capacidade vincular do ser humano não deve e não
pode jamais ser subestimada. Desde o nascimento o indivíduo humano é
desaparelhado para os enfrentamentos de se estar vivo, sendo ele
igualmente não dotado para viver sozinho. Tal imaturidade se traduz
na necessidade de envolvimento com um objeto externo (pessoa), pois é
esta a função primeva da vinculação, isto é, a sobrevivência. A
sobrevivência de uma cria humana basicamente se dá através de uma
relação interpessoal e desta relação inaugural vamos formando
nossos primeiros laços afetivos e psíquicos.
Retornando
à Teoria do Apego o sistema de vinculação, análogo a outros
sistemas fisiológicos, é um sistema que nos dirige a busca de
objetos de apego com os quais se obtém amparo e apoio psicológico,
vitais a estabilidade e saúde psíquica. Podemos chamar isto também
de tendência de afiliação. Tal tendência é mantida vida afora,
mesmo após deixarmos de ser bebês ou crianças, e ela está nas
entrelinhas de uma demanda de ajuda psicoterápica. E quando formada
a díade terapêutica ela está lá presente e invisível como o
oxigênio que se respira no espaço de um consultório.
Toda
relação psicoterápica é uma relação profissional de ajuda. Como
relação de ajuda nela temos alguém que busca ajuda e alguém que
se dispõe a ajudar. O ser do psicoterapeuta é, pois, fundamental
para o êxito da empreitada relacional. A própria origem etimológica
da palavra psicoterapia assim aponta. Terapia vem do grego therapéia
que significa o ato de cuidar ou tratar. Já psico também vem de
grego psychê e todos sabemos que significa alma. Observem que
tratamento é um termo que nos remete ao meio e não ao fim. É o que
temos nas palavras como hidroterapia e aromaterapia. Tais palavras
não significam “tratamento da água” nem “tratamento do
aroma”, mas sim “tratamento por meio da água” e “tratamento
por meio do aroma”. E assim também é com psicoterapia: não se
trata de tratamento da alma (isto pode ser o objetivo de uma
psicoterapia, mas não o seu meio), porém tratamento através da
alma – e a alma de que se está falando é a alma do
psicoterapeuta.
Inegavelmente
a pessoa do psicoterapeuta, seus atributos e suas qualidades, é um
componente de suma importância para os fins terapêuticos. E é
exatamente isto que nos diz o filósofo e célebre escritor do livro
“Eu e TU, Martin Buber, quando afirma: “a realidade decisiva é
o terapeuta e não os métodos. Sem métodos, se é um diletante. Sou
a favor dos métodos, mas apenas para usá-los, não para acreditar
neles”.
Não
estamos sugerindo, pelo até aqui exposto, um embate entre relação
terapêutica versus técnica, mas sim defendendo a sua
interligação complementar. Corre-se o risco de estarmos, sem nos
aperceber, desumanizando a psicoterapia ao polarizarmos a quase
idolatria da técnica pela técnica. Técnicas sozinhas não são
absolutamente nada. É basilar à técnica uma relação que lhe dê
sustentação. Se psicoterapia fosse somente tecnicismo científico –
sem empatia, calor humano, intuição, criatividade e felling –
então um psicoterapeuta seria uma espécie de robô a reproduzir
livros, manuais, estatísticas, protocolos e questionários
pré-elaborados. Esquecer-se-ia a força e o poder que tem uma
relação vincular. Por isto DEFENDO em letras garrafais a
humanização da relação psicoterápica.
Talvez
estejamos vivendo uma época onde a inveja de não se ser médico
aflora. A protocolização de algumas abordagens hoje em voga parece
indicar um tanto isto. Dão-se ênfase às técnicas e aos protocolos
e olha-se pouco menos ou quase nada para a pessoa do psicoterapeuta.
O mesmo se indagam Martha Ludwig, Marlene Strey e Margareth Oliveira
no interessantíssimo texto publicado na Revista Grifos (já citado
na primeira parte do nosso), “Tratamentos Manualizados: Psicólogos
Matemáticos?” , quando nos oferecem a seguinte questão: “até
que ponto estamos atendendo a pessoa quando trabalhamos com os
protocolos, e até que ponto estamos atendendo uma patologia”.
Continuaremos,
pois, a seguir com a nossa defesa ao resgate do que há de humano nas
ciências humanas.
(continua)
Joaquim
Cesário de Mello
LiteralMente
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