Em termos bem sucintos podemos definir o fenômeno da transferência como um deslocamento de questões atribuídas a pessoa significativas do passado remoto (infantil) para pessoas significatovas do pressente. O tempo cronológico passa, mas o tempo psicológico seque outras regras que de alguma maneira subverte a irreversibilidade temporal da vida e da existência. A temporalidade psíquica não é linear, porém transversal. Decididamente estava certo o filósofo francês Henri Bergson ao afirmar que o tempo passado é um tempo que não passa, ao menos psicologicamente falando. Escreveu Bergson: "nossa duração não é um instante que substitui o outro
instante: nesse caso, haveria sempre apenas presente, não haveria prolongamento
do passado no atual, não haveria evolução, não haveria duração concreta. A
duração é o progresso contínuo do passado que rói o porvir e incha à medida que
avança". Como ainda afirma, "o passado se conserva por si mesmo, automaticamente".
Freud foi tanto perspicaz quanto sábio ao perceber o fenômeno psicologicamente repetitivo, inconsciente e deslocativo que ele denominou de transferência psíquica. No início ele entendeu o fenômeno transferencial como um obstáculo terapêutico, porém sua agudez intelectual e genialidade acabou reconhecendo a transferência como o principal recurso, não somente para compreender a dinâmica psíquica do paciente, mas também como recurso e instrumento primordial para à superação de conflitos e cura de padecimentos psicopatogênicos.
Em termos mais específicos (na visão psicanalítica), pode-se traduzir a transferência como:
Embora a Psicologia seja uma ciência de muitos rostos, nomes e visão díspares, e, por isso mesmo, seja uma ciência fragmentada e pluralizada em várias vertentes, concepções, escolas e ideologias e teorias muitas vezes até antagônicas, há de se reconhecer que o fenômeno transferencial independe de "igrejinhas" e visões distintas de homem. A chamada Abordagem Centrada na Pessoa, voltada a trabalhar psicologicamente as questões em termos de aqui-agora, não foge, por exemplo, de reconhecer a transferência, embora há veja e maneja sob outra perspectiva, Já dizia Carl Rogers: "o terapeuta lida com estas atitudes precisamente da mesma foram que lida com atitudes semelhantes dirigidas a outros. Parafraseando e modificando a afirmação de Fenichel para tornar verdadeira esta perspectiva, poder-se-ia dizer: A reação do terapeuta centrado no paciente à transferência é a mesma que perante qualquer outra atitude do paciente: procura compreendê-la e aceitá-la".
Seja como for, a transferência desempenha importante e fundamental papel no processo de qualquer relação psicoterápica, pois é impossível existir presente humano, sem passado humano. Trata-se de um valioso fenômeno psíquico, cujo significado e manejo irá variar de abordagem à abordagem.
Mesmo em terapias manualizadas, reconhece-se o fenômeno, embora, muitas vezes, embutido sob a terminologia conceitual de "esquema", como faz Aaron Beck ao expressar que "um esquema é uma estrutura
cognitiva que filtra, codifica e avalia os estímulos aos quais o organismo é
submetido. É com essa ferramenta que o indivíduo registra o mundo e através
disso que se posiciona frente ao mesmo. Entendamos então que a relação e a
contra-relação na terapia irá se constituir levando em conta a forma como
paciente e terapeuta “registraram o mundo” em que vivem. O terapeuta deve ficar atento
para o que os esquemas do pacientes podem estar despertando nele mesmo, pois: isso possibilitará que o terapeuta seja mais efetivo na relação, promovendo um
modelo de papel para o paciente".
Pelo acima exposto, considerando-se que uma relação terapêutica é um encontro entre indivíduos, pessoas ou subjetividades, a questão da transferência, por sua vez, abre espaço para outro fenômeno clínico significativo: a contratransferência.
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