quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

BIOGRAFIA INTERROMPIDA

Resultado de imagem para amizade, pintura





Já li em algum lugar que todas histórias de amor um dia terminam. Terminam porque o amor acaba. Termina porque a pessoa amada morre. Todas histórias de amor, assim, estão fadadas ao luto.

Resultado de imagem para perda. pinturaDomingo passado perdi um amigo. Domingo passado um amigo faleceu. É comum se dizer "ele se foi". Sim, Agamenon se foi; não sei se para o Céu dos cristãos ou para a Valhala dos vikings, mas para mim ele se foi para dentro de meu interior, lá no fundo mais íntimo e privado da minha memória onde estão delicadamente guardadas as lembranças mais estimadas e queridas. De dentro de mim ninguém as retira, nem a morte, pois as levarei para onde for, até mesmo para o infinito da minha mais completa inexistência. 

Resultado de imagem para morte, pinturaDói, dói muito perder um amigo cotidiano, até mais do que um parente ou um amigo de outrora ou distante, mesmo que eles sejam também amados. Um amigo cotidiano é um amigo do compartilhamento, é um amigo do costumeiro, da confidência e do fiar sutil e airoso do terreno gerúndico onde continuamos a edificar nossas histórias. Perder um amigo assim é como interromper abruptamente um pedaço da nossa biografia, uma lacuna que terei que levar para o resto da vida como um texto interrompido no meio de uma página incompleta através de uma involuntária reticência. Não sei o que seriam os anos a mais com esse amigo, apenas sei que seriam anos de mais histórias e narrativas biográficas. Alguma coisa se descontinuou no amanhã do meu futuro.

Resultado de imagem para amigos, pinturaAgamenon, habitual e popularmente conhecido como Aga, não era divino nem demônio. Era um homem falho, comum e incompleto como todo mundo. Com suas manias, seus caprichos e veleidades tinha lá alguns defeitos e um outro tanto de qualidades. No somatório do seu jeitão de ser era único, ímpar e singular. Em nenhum momento houve e jamais haverá um outro Aga semelhante. Ele era tão original e diferente quanto eu, e nós fazíamos um par inédito e inimitável. Não sei dizer em palavras que parelha nós fazíamos, apenas éramos camaradas e companheiros de parte de uma mesma viagem. Uma mescla quase exótica de temperamentos e diferenças distintos que deram certo. 

Resultado de imagem para amizade orientalO poeta e filósofo espanhol Miguel de Unamuno certa vez escreveu que "cada novo amigo que ganhamos no decorrer da vida aperfeiçoa-nos e enriquece-nos, não tanto pelo que ele nos dá, mas pelo que ele nos revela de nós mesmos". Sim, Aga me fez conhecer um Joaquim que não conhecia: mais gentil, mais carinhoso, mais tolerante, mais doce, mais comparsa e mais brincante. Eis um Joaquim que ele me deixou de herança. 

Resultado de imagem para despedida, pintura

Sequer sei se aqui  escrevo adeus ou até breve. Porém, seja como for a despedida ela não me é indiferente. Adeus ou até breve ambos são acenos que carregarei pela vida inteira. Como quisera ter o dom dos poetas para exprimir em versos os sentimentos e afetos que ora me confundem e se mesclam. Talvez lhe dissesse que quando for o momento da minha partida não te deixarei a saudade que agora sinto. Mas a nostalgia triste que me encobre somente existe porque construímos laços e enredos de aprazimentos e alegrias. Afinal, ninguém sente saudades de coisas ruins e indigestas, mas sim daquilo que nos foi bom e nos deu deleite. Se és um homem que deixa saudades Aga, assim o fizestes porque construísse em existência a saudade naqueles que permanecem.

Resultado de imagem para enterro, pinturaQuando por ocasião do sepultamento do meu pai declamou o poeta Audálio Alves: "Por que doá-lo ao chão e não ao vento/mantê-lo sob o solo, e não levá-lo/de quanto te faz tão mudo e desatento?// Partir da vida às rédeas de um cavalo,/dobrando às mãos o amargo da partida,/freando o eterno às curvas do intervalo." Sim, meu querido Aga, quisera ser assim tão poeta.

Para mitigar as lágrimas do meu menino digo-lhe que você se transformou em uma estrela a brilhar no céu escuro das noites claras. E quando olho pra constelação das minhas tantas ausências Aga é hoje, sem dúvida, a estrela que brilha mais próxima. 

JOCA
(Joaquim Cesário de Mello)

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