Em um antigo texto postado O
PODER DAS PALAVRAS encerrei com a seguinte colocação de Aldous Huxley: “as
palavras formam os fios com os quais tecemos nossas experiências”.
Segundo
o Empirismo as experiências são formadoras das ideias e dos pensamentos. Ou
como acreditava Locke o processo do conhecimento, do saber e do agir, é
aprendido mediante as experiências. Entretanto, sem unilateralizar o assunto, o
oposto também pode ser verdadeiro, isto é, as palavras com as quais damos
significado e a maneira como pensamos as situações e os estímulos moldam nossa
forma de agir e reagir, ou, como disse Huxley acima, tecem as nossas
experiências.
O
que convencionamos chamar de “natureza humana” se baseia e se funda na
linguagem. A ontologia do humano é feita pela linguagem, pra a linguagem e com
a linguagem. A linguagem é um essencial instrumento a serviço do homem que a
faz uso a fim de se comunicar consigo mesmo, com seus semelhantes e de entender
o estado das coisas e do mundo. Com as palavras nos abrimos tanto para fora de
nós quanto para dentro.
O
homem pertence à linguagem, já refletia Heidegger. A linguagem é mais do que a
capacidade que tem o animal racional de falar e de escutar, mas é
principalmente o modo como ele se manifesta no mundo e na vida, é o próprio existir
humano.
Nossa
visão do mundo (cosmovisão) e de nós mesmos (autoimagem) são construídas com os
tijolos das palavras cimentadas pelas ideias e pensamentos. Nossas palavras se
tornam ações e as ações, com o tempo, inclusive se transformam em hábitos e os
hábitos tecem nosso caráter e personalidade. A personalidade de um indivíduo
não é o Ser em-si-mesmo, mas o Ser frente-ao-mundo. Melhor dizendo, nossa personalidade
é a maneira com que o Ser de cada um de nós se manifesta frente à vida e as
coisas. Somos todos nós – seres humanos racionais – um verdadeiro discurso
ambulante. Toda nossa compreensão que temos de nós mesmos, das demais pessoas,
dos objetos e do mundo como um todo é, em resumo, consequência de uma
articulação subjetiva significativa. Lembremos que um signo linguístico é uma
coisa que é usada em lugar de outra coisa. Dentro da perspectiva da
Linguística, sendo a língua um código, os signos são, portanto, responsáveis
pela representação da ideias e dos pensamentos. Os signos são as palavras que,
por meio da fala (externa e interna) ou da escrita e do gesto, se associam às
ideias. As palavras, ou melhor os signos, são unidades portadoras de sentido.
O horizonte do nosso ser é até onde minha mente, com suas palavras, ideias e
pensamentos, concebe e alcança. Do ponto de vista da existência fenomenológica podemos
nos arvorar dizer que enquanto vivo estamos somos um “ser-do-mundo”, ao mesmo
tempo em que enquanto pensantes somo um “ser-no-mundo”. Não somos tão somente
um objeto a mais pela a vida, somos uma subjetividade perambulante que dá
circundante significâncias e significados. A realidade apenas é, mas para nós é
um aparecimento subjetivo.
Criamos, assim, o mundo que é a nossa representação da realidade. Analogamente fazemos a mesma coisa com o conhecimento a respeito da nossa própria existência. Em termos de conhecimento cognitivo podemos dizer que tanto o Ser quanto o mundo são anteriores ao conhecimento do Ser-em-si-mesmo e do Ser-no-mundo. Tanto o Eu que nos habita quanto o mundo que nos circunda são objetos subjetivamente pensáveis. Porém, lembremo-nos, como bem afirma o filósofo alemão Schelling, o Ser não existe porque o pensamento existe, mas o pensamento existe porque o Ser existe.
Criamos, assim, o mundo que é a nossa representação da realidade. Analogamente fazemos a mesma coisa com o conhecimento a respeito da nossa própria existência. Em termos de conhecimento cognitivo podemos dizer que tanto o Ser quanto o mundo são anteriores ao conhecimento do Ser-em-si-mesmo e do Ser-no-mundo. Tanto o Eu que nos habita quanto o mundo que nos circunda são objetos subjetivamente pensáveis. Porém, lembremo-nos, como bem afirma o filósofo alemão Schelling, o Ser não existe porque o pensamento existe, mas o pensamento existe porque o Ser existe.
Claro
e evidente que só falar, embora possa ter lá seus efeitos terapêuticos, não é
psicoterapia, afinal psicoterapia é um método de trabalho clínico que busca
ajudar o outro por meio da utilização de técnicas e recursos baseados em
premissas teóricas e científicas. Mas seja qual método, técnica, teoria,
abordagem ou manejo empregados, estará sempre lá a fala. Falando e sendo
escutado a pessoa do paciente abre espaço para uma melhor tomada de consciência
de si mesmo e assim descobrir o que está ele fazendo com sua vida e que rumos
ela está tomando e seguindo. Se vendo, se pensando, refletindo-se, o paciente
possibilita-se a ficar mais apto por responsabilizar-se, isto é, deixar de ser
tanto vítima e de culpar os outros, a vida e o destino para reconhecer-se como coparticipe
de seus próprios problemas. E não é se culpando que se busca soluções e
modificações, mas sim se responsabilizando, pois responsabilizar-se é o
importante passo para mudar.
Certa vez escrevi em meu livro
DIALÉTICA TERAPÊUTICA (2003) o seguinte trecho:
“o Eu é concebido como uma entidade narrativa e o discurso produzido pelo sujeito em psicoterapia não é um texto pronto e acabado à espera de vir a ser tão somente interpretado, mas sim um processo em desenvolvimento e evolução. Em psicoterapia o terapeuta ao buscar estar atento ao não-dito no discurso do cliente oferece a este uma ótica diferente produzida por suas reflexões, questionamentos, hipóteses e interpretações. Desse modo, a leitura e a imagem diferentes que faz o terapeuta sobre o discurso e a autoimagem do paciente não tem o intuito de sobrepor-se ou substituir a própria leitura que faz o cliente de sua história, do seu mundo e do seus problemas. Ao contrário, a diferença entre o que é dito pelo paciente e o que não é dito e escutado pela terapeuta gera o potencial para o surgimento de uma nova compreensão e o desenvolvimento de uma nova narrativa. Esta nova narrativa e o novo entendimento não é nem a leitura do terapeuta nem a autoleitura do cliente: é simplesmente uma nova história que pode ser considerada como já existente, apenas até então não divisada e descoberta”.
Todos
nós carregamos uma leitura pessoal de si e do mundo, expressa através de
palavras, ideias, pensamentos e imagens. Este conjunto, esta leitura, compõe
tanto a autoimagem como a cosmovisão do sujeito. São as nossas histórias,
nossas interpretações, nossos textos pessoais, nossa narrativa. Embora não
possamos mudar a realidade nem nosso passado, podemos mudar a nossa leitura
sobre ambos. Uma nova visão de si, do mundo e da vida, uma nova releitura sobre
quem somos e o que nos cerca, transforma-nos não em uma outra pessoa, mas em
uma pessoa com nova maneira de se ver e lidar com a vida.
O
ser humano é um ser que fala, um ser de linguagem. É pela linguagem que
pensamos como hoje pensamos, e é também pela linguagem que nos afirmamos como
sujeito e nos comunicamos e expressamos nossas ideias e emoções. As palavras, a
fala, são inseparáveis do ser humano; é como elas que modelos os pensamentos e
os sentimentos. É como elas que agimos como agimos. Com a linguagem cria o
homem sua existência e seu ser. Com elas ele se conhece e se imagina, sofre, se
entristece, se alegra, espera e sonha, deseja e sente. O homem, humanamente
falando, vive e respira linguagem, pois é através do universo simbólico que
ingressamos no mundo humano. Por isto o nascimento psicológico vem depois do
biológico. O pensamento linguístico, pois, é a semente que gera a árvore que
chamamos de ser humano.
E
para não encerrarmos o texto (feito de palavras, notou?) com uma ligeira
impressão quase metafísica, pesquisas atuais feita através de neuroimagens
funcionais (fotografia do fluxo sanguíneo no cérebro) demonstram que terapias
realizadas mediante o uso de palavras e da fala causam efeitos permanentes no sistema
de aprendizagem, na memória e no processamento cerebral das emoções. Com maior
ativação no córtex pré-frontal, alteração as redes neurais. E com isto o
cérebro muda, nós mudamos, nossa vida muda, nossas maneiras e formas de lidar
com os problemas e os obstáculos inerentes à própria existência mudam. O que
não muda é a realidade, pois ela somente é.
Joaquim Cesário de Mello
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