domingo, 18 de setembro de 2016

Setembro



Estamos em Setembro, o mês que no hemisfério sul abre a primavera, mas que para as pessoas que trabalham com saúde mental tem uma significação especial. Convencionou-se  Setembro ao mês de alerta, o Setembro Amarelo, à prevenção do suicídio. Desse modo, muitas campanhas preventivas tem sido organizadas pelos equipamentos em saúde mental.  Participei de alguns eventos que tratava desse tema tão delicado e pude observar que, falar do suicídio, é um tabu até mesmo na área de saúde, inclusive,  na área de saúde mental. Quando se aborda esse tema, geralmente, parece que o arcaico mecanismo psíquico da negação se insinua como única alternativa, como se a única forma de se distanciar dos atos autodestrutivos passasse por um pacto de silêncio, pois falar, ou fazer eventos, poderia aumentar a ideia do ato - seguindo a lógica de que se falo de suicídio, dou margem a novos suicídios. Mito semelhante se perpetua quando não  perguntamos aos pacientes se estão pensando em suicídio, para que, do mesmo modo, nossa fala não desperte a ideia de se matar. estatisticamente quanto mais propiciamos a fala dos suicidas, mas, realmente, prevenimos o ato.    

Essa campanha do Setembro Amarelo ajuda a quebrar esse e outros mitos e  traz verdadeiramente à tona o problema do suicídio que é considerado umas das principais causas de morte mundiais e, em alguns países desenvolvidos, a causa morte principal entre jovens. há uma tendência a se pensar, pelo menos dentro dos princípios morais  brasileiros, que o suicídio é uma fraqueza moral, um ato de covardia perante a vida. Poucas pessoas ainda o relaciona com os transtornos mentais, que pelo menos estatisticamente são responsáveis por mais de 70 % dos casos registrados. Desses transtornos mentais, mais da metade envolve depressão, uso de substâncias psicoativas ( álcool e outras drogas) e transtornos de personalidade. Se levarmos em consideração que a depressão incide em cerca de 12% da população adulta, e que o número de usuários de substâncias psicoativas é maior que a população de abstêmios - aqui, naturalmente incluo o álcool -, o suicídio é tema que jamais deveria ser deixado de lado. Como ainda há uma tendência a minimizá-lo, eventualmente somos surpreendidos com notícias de pessoas que cometeram o ato sem aparente explicação - sempre haverá uma parte incompreendida no ato, contudo. Recentemente assistimos à notícia de dois atos suicidas bizarros veiculados pela imprensa. Na verdade, nos dois atos ocorreu primeiramente homicídio seguido de suicídio.  Um no Rio de Janeiro, em um bairro de classe média alta, em que o suicida antes de se matar, assassinara sua mulher e filhos, e o outro ocorrido  no  prédio do Tribunal do Trabalho em São Paulo, de onde o suicida se jogou  abraçado com o filho de quatro anos de idade. O sentimento que vem á mente de nós, espectadores de tamanha tragédia,  é ambivalente, um misto de raiva e de compaixão. Os comentários mais frequentes são de que o sujeito deveria ter cometido o ato sozinho - que as vítimas não tem culpa pelos seus fracassos. Será que é assim que pensa o suicida/homicida?


Durkheim, um sociólogo estudioso nessa área, dizia que havia tipos de suicídios e entre eles elencou o suicídio dito "altruísta", que ocorria naqueles indivíduos  que mataria outros e se mataria em que função de determinada causa ou crença. O exemplo clássico disso está nos kamikazes da Segunda Grande Guerra  e nos homens/mulheres bombas do Médio Oriente. Teriam os dois casos brasileiros de suicídio alguma relação com essa forma altruísta? a primeira pergunta que nos ocorre, em defesa de que causa ou crença, estaria o suicida almejando com o assassinato de entes queridos? no caso do Japão e de alguns Muçulmanos, observa-se claramente que o sujeito se mata para o bem da pátria e da religião. Nesses casos ocorridos no Brasil não há nacionalismos tampouco religião envolvidos, mas há  outros  ideais, crenças mais sutis. Para o sujeito ocidental nada mais desafortunado que o sentimento de fracasso,  de derrota e de ruína pessoal. Somo sujeitos que se move  dentro do pressuposto de ideias modernos que são, por sua vez,  movidos dentro dos parâmetros  de sucesso/fracasso, riqueza/pobreza,  Nesse caso, ou nos casos brasileiros, matou-se por acreditar que o fundo do poço econômico é o verdadeiro inferno do mundo ocidental. Como o inferno provavelmente não existe nem na religião nem na sociedade, matou-se apenas por uma crença, por uma construção imaginativa. No caso do Rio de Janeiro, o assassino/suicida matou-se por acreditar que se encontrava a beira do infortúnio: ficaria desempregado, mudaria de status social, empobreceria e sua mulher e filhos sofreriam com isso. Para "alivia-los" de tamanho sofrimento cometeu o ato. O interessante é que na vida real, nada disso que o suicida havia pensado a respeito de sua vida econômica e social era fato verídico. Nada, na vida prática, sinalizava para o seu fracasso pessoal. Enfim,  a crença que construíra em sua cabeça era fruto de uma ideia sobrevalorada ou delirante, comum em muitos deprimidos. Estava mentalmente arruinado, fato que nada tinha a ver com a realidade objetiva. Enfim, mais um transtorno psíquico a entrar na estatística dessa tragédia mundial.  como disse acima, sao mais de 70% dos casos e ainda assim, esquecemos...

Marcos Creder    

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