Utilizamos
a palavra humor em vários sentidos e significados. O anatomista, por
exemplo, falará do humor como algo aquoso produzido pelo olho,
enquanto que o profissional de saúde mental poderá estar falando
como algo associado ao equilíbrio psíquico. Já no entendimento
trivial e habitual muitas vezes se usa a expressão humor para
designar o estado de espírito de alguém, como quando dizemos “você
hoje está de mau humor”. Um comediante, por sua vez, buscará o
humor como comicidade. E assim por diante. E nós aqui? Bem, nós
aqui vamos explorar o humor enquanto disposição psicológica e um
recurso saudável da personalidade que o utiliza e dele se aproveita
e tira bons proveitos. Em outras palavras, o humor é aqui entendido
como função vital cujas raízes se encontram da alma humana.
O humor
faz parte da subjetividade e contribui para a assertividade da mesma.
Um sujeito bem humorado inevitavelmente é igualmente alguém mais
tranquilo e tolerante com o mundo, a vida e as pessoas e até consigo
própria. O humor é a porta que interliga os sentimentos com a
percepção e a sensibilidade. O humor por si mesmo é comprovação
do amadurecimento psicológico da pessoa. Permite e possibilita que
sejamos sérios e sensatos, mas que percebamos que nossa importância
frente às coisas e as coisas frente a nós não é lá assim tão
importante em demasia. O humor nos alegra e nos sereniza. É com o
humor que podemos descortinar a ludicidade por detrás do
circunspecto e o nonsense detrás do solene e da sisudez. Venhamos e
convenhamos, embora viver seja uma coisa séria, a vida não é de
todo tão séria. Ou como afirmava São Tomás de Aquino: “o
humor é necessário para a vida humana”. Alguém aqui se
lembra do livro O Nome da Rosa de Umberto Eco ou do filme homônimo
Jean-Jacques Annaud nele baseado? Alguém
se lembra de que, em meio ao universo lúgubre e fechado dos
mosteiros medievais, o segundo livro da Poética de Aristóteles, no
qual este faz uma apologia ao valor do riso como parte da essência
do homem, era proibido? Rir não é somente um santo remédio, como
diz certo adágio popular, porém rir é próprio da natureza humana.
Freud
(às vezes tento me esquivar dele, mas não consigo, é impossível!)
mesmo escreveu que o humor é o mecanismo de defesa mais eficaz que
temos e que nos permite tanto equilibrar as emoções quanto elaborar
as frustrações. Afora ainda que o humor tenha forte função e
apelo social. Bem como dizia Kant: “apenas três coisas podem
realmente fortalecer o homem contra as atribulações da vida: a
esperança, o sono e o riso”.
O
humor nos possibilita e propicia boas lembranças. Ah, se soubéssemos
que a vida vivida não é uma vida sobrevivida, pois a vida vivida é
aquele em que se vive na contínua arte de se construir lembranças.
É no hoje que formamos as lembranças do passado, passado este que
sempre nos acompanhará em todos os hojes que viveremos. Viver o
presente com graça e leveza nos enriquece a memória de suave
graciosidade. Um homem dessa forma edificado não arrasta seus pés
no caminhar da vida, mas anda com delicados passos firmes. O humor
nos faz pesar bem menos do que uma pluma.
E de
onde nos vem, portanto, esta disposição psíquica ao humor? Da
infância, é claro. E não falo da infância do menino ou da menina,
mas sim da infância psíquica. A mente originariamente tem
qualidades que lhes são primárias e da sua própria natureza
infante, entre elas a sua inata capacidade de brincar. A mente é
essencialmente fantasmática e lúdica. Observem qualquer criança
pequena e vejam como é capaz imaginativa e fantasiosamente de
brincar e se divertir com quase qualquer coisa. Esta aptidão e
faculdade de trebelhar ou brincar, de imaginar, de inventar e de
criar é próprio do psiquismo. E não é porque crescemos e nos
tornamos adultos que deixaremos de possuir tais qualidades. Embora
adulta seja a pessoa, a mente agora amadurecida tem em si e funciona
entre, digamos, dois predicados ou duas polaridades, ou seja: a mente
adulta tem propriedades adultas, mas igualmente conserva propriedades
infantis. Encurtadamente, para fins do presente texto e parco espaço
que ele tem, chamemos de qualidades adultas a responsabilidade, a
seriedade, o compromissar e a sensatez entre outras, E as qualidades
infantis, como dito acima, a ludicidade, a imaginação, a
inventividade, a ousadia, afoiteza e a criatividade, entre outras.
Adulteza e jovialidade assim podem e convivem sobre um mesmo teto: o
nosso psiquismo. Temos e teremos sempre ao longo de nossas vidas um
puer dentro nós.
A pessoa
que se permite puerilizar adultamente – que não é o mesmo que
infantilizar-se ou regredir, pelo contrário – é aquela que com
inventividade, imaginação, criatividade e pitadas de ousadia e
afoiteza, brinca. Um adulto que brinca e com isto ventila a si mesmo
e possibilita, inclusive, modos de socialização novos. Um dos
principais definidores do humor é exatamente a capacidade que se tem
de rir de si mesmo. Ao se achar graça de ser quem se é o sujeito
humorado descentraliza-se do próprio narcisismo, bem como de certos
ideais reguladores que o social tenta impor. Talvez por isto Freud
tenha dito que “o humor não é resignado, mas rebelde”.
Sim, esqueci, no polo jovial de nossa mente também habita nossa
capacidade de ser rebelde e de revolucionar.
Prazer e
alegria consigo mesmo e com a vida tem no humor seu combustível. A
alegria, já dizia Sêneca, é uma coisa muito séria. Devemos levar
com seriedade sermos alegres na vida e muitas vezes isso não é
fácil, visto que para ser ou ficar triste muitas coisas bastam. Não
se busca alegria nas coisas, a alegria vem de dentro de nós. É um
estado de espírito, uma postura, um talento desenvolvido ou
desinibido, um hábito, uma prontidão, uma aptidão ou tudo isso
junto e algo mais até. E não estamos falando (um leitor atento já
deve ter percebido) da alegria como resposta a situações e/ou
momentos felizes, mas sim da alegria como atividade e ação, afinal
a verdadeira alegria não é passividade, porém criação.
Com humor temos menos vergonha, medo e culpa. Com humor somos mais congruentes, autênticos e inteligentes. Circulamos pela vida com a leveza de uma inocência infantil e com a mesma fome do rapaz em explorar e conhecer o mundo além das cercanias que quiseram nos impor. Olhamos nosso redor com olhos de estrangeiro, isto é, somos o tempo inteiro capazes de nos deslumbrar frente ao novo e de se encantar. É parecido como aquele ditado que diz: quem canta seus males espanta. Pois é, cantemos, pois, como aquela música de Violeta Parra eternizada na voz de Mercedes Sosa:
Gracias a la vida que me ha dado tanto
Me dio dos luceros que cuando los abro
Perfecto distingo lo negro del blanco
Y en el alto cielo su fondo estrellado
Y en las multitudes el hombre que yo amo
Afinal,
venhamos e convenhamos caro(a) leitor(a), um sujeito excessivamente
adulto é no fundo um adultopata. Um indivíduo muito normal é um
normofílico. E uma pessoa bastante séria é um chato.
Joaquim
Cesário de Mello
👏👏👏👏👏👏👏
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