FUNÇÃO PATERNA
Parece
mais fácil compreender a função materna do que a função paterna, principalmente
quando ela é descrita como tendo uma função dessimbiotizante. Chego a rever os
olhares de atonicidade e confusão nos olhares dos alunos de antes frente ao
termo quase palavrônico: dessimbiotização. Parecem surdamente perguntar “que
danado é isso?”.
É
uma função que aumenta a complexidade à mente infantil em formação, pelo
simples fato de representar uma terceira pessoa em jogo, uma nova e inédita
função. Se a mãe é o primeiro não-eu da vida de uma criança, o pai é o primeiro
não-mãe da vida da mesma. Lembremos que a relação inaugural mãe-filho uma
relação psiquicamente (aos olhares infantis) fusional e simbiótica. É a
primeira experiência humana de par. Nela a mãe é quem atende as expectativas,
anseios, desejos e necessidades do bebê. É uma relação de completa e natural
dependência do infante frente a seu cuidador original. Depois, bem depois, vem
o pai, ou melhor, a função paterna.
O
pai, assim como os demais circundantes da vida de um bebê, conjugam-se em um
ambiente narcisicamente materno. É como se todo o ambiente fosse uma grande e
enorme mãe, embora muitas vezes seja a criança “pegada” de maneira diferente
por este ambiente-mãe, bem como outras vezes o cheiro seja diverso e a barba
espinhe a face da criança-filho. Aos pouco o pai, como pai e enquanto pai, vai
retomando seu lugar junto ao objeto primário cuidador (mãe). Essa entrada na
relação de estreita intimidade psíquica, afetiva e biológica, que é a relação
mãe-bebê, vai sendo sentida como uma espécie de invasão e ameaça de separação do
par idílico.
Brincadeiras, estereótipos e
caricaturas à parte, na problematização do complexo de Édipo entramos no
período desenvolvimental freudianamente chamado de fase fálica, por volta dos 3
anos de idade aproximadamente É quando a criança começa a “encarar” o pai como
um rival, rival na disputa do amor materno. Bem resumidamente falando é quando,
na fantasia, a criança vê esta terceira pessoa (pai) como alguém que fica com a
mãe que era dele (na ilusão narcísica dos primeiros tempo de vida) e que assim
o impede de continuar mantendo seu desejo de ter a mãe só para si. A fantasia
infantil do bebê do início da criança (de possui amor total e pleno da mãe) agora
é “quebrada” com a realidade de que a pessoa da mãe não existe somente para
ela. A pessoa da mãe também é do mundo de outros objetos. Corta-se um outro cordão umbilical. Eis a dessimbiotização.
Claro que o pai (ou quem o
represente) só funcionará de maneira dessimbiotizante caso a mãe assim o
permita, ou seja, a gradual separação narcisista mãe-filho e a entrada do pai
na cena edípica só se fará se ela vê a pessoa do pai como objeto de parte dos
seus desejos. Caso uma mãe narcisicamente esteja vinculada ao seu filho, este
pai, embora existente como pessoa concreta, não fará
inscrição simbólica no psiquismo infantil, visto que ele não é objeto de desejo
da mãe e, por isto, também não é rival no jogo triangularl do desejo. Caso ela
não esteja emaranhada narcisicamente com seu filho este poderá sair do
narcisismo psíquico natural da primeira infância para um outro estágio: o social.
A
ausência da função paterna na formação psíquica de uma criança nos leva ao
campo de personalidade deficitária nas questões dos limites internos. Vide, por
exemplo, A AUSÊNCIA DA FUNÇÃO PATERNA NO CONTEXTO DA VIOLÊNCIA JUVENIL, de
Sandra Araújo, em http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=MSC0000000082005000200006
Outro
texto recomendável no tocante a ausência da função paterna durante o
desenvolvimento de um filho também é encontrado em AUSÊNCIA PATERNA E SUA
REPERCUSSÃO NO DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE; UM RELATO DE CASO,
de Maria Eizirik e David Bergamann, em http://www.scielo.br/pdf/rprs/v26n3/v26n3a10.pdf
Enfim,
para fins de resumo, recapitulemos. Nos primeiros dias e meses a mente infantil
vê a mão como um prolongamento de si. Aos poucos a realidade vai se impondo e
esta mesma mãe começa a ser percebida não como um prolongamento psíquico da
mente infantil, mas sim como alguém separado dela. Neste separação mãe-bebê a
mãe também tem outros interesses que não somente seu filho, e outros desejos
que não apenas o seu filho. A criança, assim, vai paulatinamente percebendo que
não é ela o único alvo de interesse materno, e que existem outros objetos que a
mão investe psicológica e libidinalmente. Uma mãe assim sadia propicia ao seu
bebê a desilusão de que ela e ele não viverão eternamente uma relação fundida
e/ou simbiótica. A função paterna – aqui representada pelos outros interesses
da mãe que não unicamente seu filho – é como um interdito, uma intervenção
limitante nas fantasias fusionais infantis. Este interdito, este corte, este
limite, por sua vez, possibilita a inserção simbólica da criança no social. Tal
interdição se faz fundamental, pois abre espaço para que o processo de
individuação tome seu curso e vá se realizando.
O
pai representa, pois, um libertar-se do colo materno e um lançar-se na vida do
filho rumo ao desbravar do mundo e da vida. Ao se impor à mente infante a
realização plena dos desejos narcísicos, dá-se essencial passo para a ordem e
os limites da própria vida, tão fundamentais para um bom e saudável convívio
social a posteriori. A função
paterna, em conclusão, é parte essencial e saudável para o crescimento da
criança como ser subjetivo e também social.
Joaquim Cesário de Mello
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