domingo, 25 de outubro de 2015

E O PRINCÍPIO ERA GREGO

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Como em muitas de nossas palavras Psicologia também vem do grego antigo. Psyché é alma e logos é estudo, razão. Alma, para os gregos de antigamente, tinha vários significados, entre eles sopro e fogo (enquanto chama vital). Apuleio, escritor e filósofo romano de influência platônica, em sua fábula romanceada O Asno de Ouro, narra o mito de Psyché filha do rei Mileto por quem o deus Eros se apaixonou. Em termos artísticos Psyché é muitas vezes representada com asas de borboletas, visto a simbologia da borboleta que se inicia dentro de um casulo de onde sai rastejante em forma de lagarta até que depois levemente alça voo. A alma humana também se inicia dentro de um casulo (útero) que de lá sai rastejante (do engatinhar ao andar) para um dia voar aos céus (sentido espiritual).
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700 anos antes de Cristo na história do mundo Ocidental, acreditava-se na alma como separada do corpo após a morte em direção a Hades (o mundo dos mortos). Nas crenças e práticas religiosas do período helênico a alma humana seria de origem divina e imortal, porém condenada a viver um período mundano preso ao corpo. Para os cultos religiosos da época, a alma preexistia ao corpo e quando nele habitante trazia consigo a nostalgia do eterno. Na mitologia grega o poeta Orfeu apaixonado pela ninfa Eurídice, morta por uma mordida de cobra, vai até às profundezas do deus da morte (Hades) e comove sua esposa Perséfone que encantada pela lira de Orfeu suplica a Hades que liberte da morte Orfeu e sua amada. O mito órfico, portanto, traz a ideia da reencarnação e da transmigração da alma humana.
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O médico e filósofo pré-socrático, Alcmeão de Crotona, definiu a alma humana em três partes, a saber: a consciência, o intelecto e a paixão. Ao afirmar que as paixões vinham do coração e que o intelecto e a consciência têm sede no cérebro, Alcmeão rudimentarmente colocou o cérebro como sede da alma. Com isto distinguiu-se o homem dos animais, pois se ambos podem sentir sensações, apenas a alma humana pode pensar. Parmênides, por sua vez, ao explicar que a realidade (que em latim significa tudo o que existe) é "o-que-é", propôs o caminho da verdade (alétheia) como sendo nem o caminho das sensações nem o da opinião (doxa). Se o mundo sensível é uma ilusão à alma, não se deve confiar no que se vê.
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Hoje é tão em voga se falar em subjetividade. Parece coisa moderna, porém tem lá suas antiguidades clássicas. Os sofistas ao afirmarem que o homem é a medida de todas as coisas, também dizem que a verdade é subjetiva. Um ser que deseja, sente e pensa, é um ser de muitas perguntas e buscas de respostas. No conceito do eterno fluir das coisas é impossível conseguir verdades absolutas e iguais para todos os homens. Vem de lá, pois, a percepção de que os seres humanos ao se acharem detentores da verdade se dogmatizam.
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Sim, os gregos buscaram milênios atrás sistematizar a Psicologia. Para Sócrates, por exemplo, o homem é a sua psyché (alma). O método socrático provavelmente é uma das primeiras psicoterapias criadas pela humanidade. O método criado por ele é o método da indagação, ou como diz o termo maiêutica "a arte de parir". Pressupõe que a verdade está latente em todo ser humano e que pode vir à tona aos poucos. Tem como base o famoso "conhece-te a ti mesmo". Quantas abordagens psicoterápicas contemporâneas não têm como objetivo o crescimento humano através do autoconhecimento?
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O grande formulador da Psicanálise e aventureiro curioso sobre as profundezas da alma humana, Freud, tão elogiado por seu pensamento original e vanguarda à época, deve muito aos gregos ou mais precisamente Platão. Quem for minimamente erudito sabe que Freud revisita Platão. Ambos colocam o desejo como a força motriz do psiquismo humano. Freud não é necessariamente platônico, porém um erudito que inevitavelmente conhecia bem a obra de Platão. Freud alegoricamente diz que a psiquê é como um cavalo (ID) puxado por um cavaleiro (EGO). O cavalo embora mais forte e maior do que o cavaleiro este, por saber montar e segurar bem as rédeas, conduz  cavalo para onde ele quer ir. Mas se o cavaleiro não souber montar bem o cavalo ou, se por alguma razão, afrouxar o domínio das rédeas, quem conduzirá o cavaleiro é o cavalo, inclusive para lugares onde ele não quer ir. A fonte de tal inspiração metafórica acha-se em Platão (Fedro) na imagem do cocheiro que conduz um carroça puxada por dois cavalos. Um cavalo é a moral, o outro as paixões (desejo), e o cocheiro é a razão. Quem associar tal representação platônica com ID, EGO e SUPEREGO provavelmente não estará distante.
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E pensar que tudo começa lá na Grécia em torno de 700 a.c., tendo o conhecimento humano atingido seu apogeu na Antiguidade Clássica. Não que os gregos de séculos atrás fossem necessariamente mais inteligentes e geniais que seus contemporâneos ocidentais, porém foram os pioneiros. Agudos observadores da alma e da natureza humana, os antigos gregos nos oferecem compreender a psyché e sua parte desejante. A parte desejante da alma, escreveu Aristóteles, é feita de componentes racionais e não racionais. O ato humano é de logo compreendido como consequência dos desejos. É do próprio Aristóteles o primeiro verdadeiro manual sobre Psicologia, seu livro De Anima (sobre a alma). Muitas questões ali levantadas ainda estão em aberto à procura de respostas até hoje.
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Evidente que aqueles gregos não disseram tudo ou explicaram e desvelaram tudo. O que eles fizeram, o que eles para nós fizeram, foi plantar as bases e os alicerces do conhecimento humano. A Psicologia não nasceu com Freud, Wundt, William James, Titchener, Koffka ou Köhler. Como ciência ao estilo moderno a Psicologia não tem ainda nem um século e meio, mas como já disse Ebbinghaus "a psicologia possui um longo passado, mas uma história curta". Eis uma ciência rabuda essa tal de Psicologia: tem um longo e longuíssimo rabo preso no passado.

Joaquim Cesário de Mello

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