Até próximo do final dos anos 80 do século XX era comum se diferenciar dois tipos de depressão: endógena e exógena. Embora tal distinção não seja mais hoje usual, vejo nela ainda alguma utilidade diagnóstica e clínica. Atualmente se utiliza mais termos como depressão maior ou depressão menor, episódio depressivo leve, moderado ou grave, por exemplo.
A
antiga diferenciação destacava que a depressão endógena seria aquela de
natureza biológica e constitucional (endo = dentro). Já a exógena seria aquela
relacionada aos eventos da vida (exo = fora) e que surgia como uma forma
reativa. Também se chamava de depressão secundária, visto tratar-se de uma
resposta a estressores identificáveis, tipo: perda significativa, uso de droga,
problemas financeiros, mudança de papel social, etc. Por envolver reações psíquicas,
podemos igualmente denominá-la de depressão
psicogênica, diferenciando-a de uma somatogênica. Observa-se, assim, que um
episódio de depressão exógena é circunstancial, relacionado a causadores
geralmente sociais e/ou familiares.
A
classificação da depressão em endógena e exógena é arbitrária, precária e
incompleta, afinal há pessoas que passam por situações adversas na vida e nem
por isso deprimem na acepção da palavra. O fora (exo) e o dentro (endo) não são
duas esferas de um sujeito distintas e separadas entre si. Ao contrário, somos
ambos. Possivelmente indivíduos que manifestam depressão reativa frente a um
estresse que lhe é descompensador são indivíduos que já tinham alguma certa
vulnerabilidade ou predisposição à depressão. Mesmo sendo uma depressão
provocada, a priori, por fatores
externos ao sujeito, este é um ser que trás consigo uma personalidade, um corpo,
uma história, uma biografia. A combinação das duas características – dentro e
fora – pode ser às vezes explosiva, dependendo do encontro da pólvora com o
pavio e o fósforo. Neste sentido não seria de todo absurdo chamar as depressão
de caráter reativo de “endoreativas”.
Muito estava certo o pensador e filósofo espanhol Ortega Y Gasset quando
enunciou sua mais célebre frase: “eu sou
eu e as minhas circunstâncias”.
Sim,
a depressão é uma doença, uma doença do organismo. Mas é uma doença do
organismo como um todo. A depressão, sabemos, tanto altera a maneira como o
indivíduo vê, pensa e sente a vida e o mundo, assim como a maneira como o
indivíduo vê, pensa e sente a vida pode levá-lo a se deprimir. Embora possam
existir disparadores externos e ambientais que levam alguém a deprimir, os
sentimentos depressivos são de dentro. Como doença, a depressão é uma morbidade
dos afetos e dos humores.
Considerando
a reatividade como um dos motivos ocasionadores de uma depressão, ele assim se
faz frente a uma situação que é para o sujeito um problema. Uma
situação-problema. A maneira e a forma como este sujeito lida e maneja com sua
situação-problema muito determinará ou influenciará o desencadear da depressão
ou do episódio depressivo. Em geral tais estados entristecidos e alterados do humor, por terem suas raízes em eventos percebidos e sentidos como dolorosos,
tendem a ter sua duração e intensidade proporcionais ao prolongamento e/ou a
permaneça da situação desencadeadora.
A vida não se vive em linha reta. Ela é feita de altos e baixos. Como nos ajustamos, como nos adaptamos, frente às mudanças, as crises (normativas e/ou acidentais), os conflitos, aos lutos, às adversidades, enfim, aos baixos da vida tem importância sobremaneira no adoecer depressivo. Neste sentido, quanto mais adequadas forem as respostas do sujeito humano frente as suas situações-problemas, menos chances tem ele de deprimir.
Dentro
da perspectiva acima ventilada, a depressão exógena/reativa tem em seu
diagnóstico nosopsicodinâmico o viés adaptativo, principalmente em suas
inadequações e disfuncionalidades reativas e enfrentativas. Em inglês se usa o
termo coping, cuja tradução literal
seria “enfrentamento”. Em uma rápida ida ao Wikipédia encontramos o significado
de coping como “esforços
cognitivos e comportamentais para lidar com situações de dano, de ameaça ou de
desafio quando não está disponível uma rotina ou uma resposta automática.
Apenas esforços conscientes e intencionais são considerados estratégias de
coping e o estressor deve ser percebido e analisado não sendo assim
consideradas resposta”.
Fica, assim, evidente, que quando o
indivíduo responde a seus estressores de forma adequada, isto é, quando sua
responsividade resolve, soluciona ou supera o problema, as chances de deprimir
exogenamente é zero; bem como se o coping
minimiza e/ou alivia a situação-problema as chances diminuem
consideravelmente. O indivíduo também pode se adaptar à situação-problema
(principalmente quando esta for insolúvel) e aprender a conviver com ela,
mantendo seu nível basal de equilíbrio.
Uma
situação-problema vital não é em si mesma uma crise propriamente dita, mas sim
um estado potencialmente crítico. Quando uma pessoa se vê como que paralisada frente
a um obstáculo e que seus recursos costumeiros de enfrentamento não lhes são
úteis agora, entra ela em um período de desorganização podendo chegar a uma
ruptura drástica em sua homeostase psíquica. Para Caplan, em seu clássico livro
PRINCÍPIOS DA PSIQUIATRIA PREVENTIVA, um sujeito só entra em crise propriamente
dita quando há falência dos seus habituais mecanismos de defesa e de adaptação.
Para ele o desequilíbrio homeostático é reduzido por meio da utilização de
aptidões conhecidas pelo sujeito. Todavia, quando tais aptidões são
insuficientes ou insatisfatórias para solucionar a situação-problema, caso o
sujeito não desenvolva novas e inusuais aptidões, uma crise ocorre dentro dele
com a ruptura do estado saudável e o estabelecimento de uma desorganização
psíquica, mergulhando-o em uma crise de raiz desadaptativa com sintomatologia
ansiosa e depressiva. Verifica-se, assim, que quanto menos adaptativas forem as
respostas, mais se aumenta o risco da depressão.
Uma importante vertente do campo da
Psicologia Clínica, a Psicologia e Psicoterapia Interpessoal, que será nosso
próximo tema em continuidade deste, tem bastante contribuído para a compreensão
das depressões exógenas. Em muitos casos dificuldades no exercício de certos
papéis sociais podem estar ligados ao início da depressão. Por outro lado
episódios depressivos, mesmo os biologicamente desencadeados, prejudicam o
indivíduo em suas capacidades relacionais. Baseada na escola interpessoal
proposta por Sullivan, bem como na Teoria do Apego de Bowlby e nos trabalhos de
Freud sobre o luto e aa melancolia, a Psicoterapia Interpessoal foca o
tratamento da depressão nas relações interpessoais do paciente com suas atuais
figuras significativas. Seja endógena, seja exógena, por ser o ser humano um
ser relacional, isto é, social por natureza, a depressão ocorre em cenários e
contextos sociais. As chamadas “áreas-problemas” sob esse enfoque são frequentemente
quatro: 1. Luto (por perda ou ameaça); 2. Conflitos e disputas interpessoais;
3. Mudança ou transição de papéis; 4. Déficits interpessoais.
Para
quem conseguiu chegar até o fim do presente texto, provavelmente por se
interessar pela problemática abordada, daremos continuidade ao tema, enfocando a psicoterapia interpessoal, em um futuro breve post.
Até
lá...
Joaquim Cesário de Mello
Nenhum comentário:
Postar um comentário