domingo, 1 de março de 2015

A DEPRESSÃO QUE VEM DE FORA


           




   Até próximo do final dos anos 80 do século XX era comum se diferenciar dois tipos de depressão: endógena e exógena. Embora tal distinção não seja mais hoje usual, vejo nela ainda alguma utilidade diagnóstica e clínica. Atualmente se utiliza mais termos como depressão maior ou depressão menor, episódio depressivo leve, moderado ou grave, por exemplo.
                A antiga diferenciação destacava que a depressão endógena seria aquela de natureza biológica e constitucional (endo = dentro). Já a exógena seria aquela relacionada aos eventos da vida (exo = fora) e que surgia como uma forma reativa. Também se chamava de depressão secundária, visto tratar-se de uma resposta a estressores identificáveis, tipo: perda significativa, uso de droga, problemas financeiros, mudança de papel social, etc. Por envolver reações psíquicas, podemos igualmente denominá-la de depressão psicogênica, diferenciando-a de uma somatogênica. Observa-se, assim, que um episódio de depressão exógena é circunstancial, relacionado a causadores geralmente sociais e/ou familiares.

                A classificação da depressão em endógena e exógena é arbitrária, precária e incompleta, afinal há pessoas que passam por situações adversas na vida e nem por isso deprimem na acepção da palavra. O fora (exo) e o dentro (endo) não são duas esferas de um sujeito distintas e separadas entre si. Ao contrário, somos ambos. Possivelmente indivíduos que manifestam depressão reativa frente a um estresse que lhe é descompensador são indivíduos que já tinham alguma certa vulnerabilidade ou predisposição à depressão. Mesmo sendo uma depressão provocada, a priori, por fatores externos ao sujeito, este é um ser que trás consigo uma personalidade, um corpo, uma história, uma biografia. A combinação das duas características – dentro e fora – pode ser às vezes explosiva, dependendo do encontro da pólvora com o pavio e o fósforo. Neste sentido não seria de todo absurdo chamar as depressão de caráter reativo de endoreativas”. Muito estava certo o pensador e filósofo espanhol Ortega Y Gasset quando enunciou sua mais célebre frase: eu sou eu e as minhas circunstâncias”.

                Sim, a depressão é uma doença, uma doença do organismo. Mas é uma doença do organismo como um todo. A depressão, sabemos, tanto altera a maneira como o indivíduo vê, pensa e sente a vida e o mundo, assim como a maneira como o indivíduo vê, pensa e sente a vida pode levá-lo a se deprimir. Embora possam existir disparadores externos e ambientais que levam alguém a deprimir, os sentimentos depressivos são de dentro. Como doença, a depressão é uma morbidade dos afetos e dos humores.
                Considerando a reatividade como um dos motivos ocasionadores de uma depressão, ele assim se faz frente a uma situação que é para o sujeito um problema. Uma situação-problema. A maneira e a forma como este sujeito lida e maneja com sua situação-problema muito determinará ou influenciará o desencadear da depressão ou do episódio depressivo. Em geral tais estados entristecidos e alterados do humor, por terem suas raízes em eventos percebidos e sentidos como dolorosos, tendem a ter sua duração e intensidade proporcionais ao prolongamento e/ou a permaneça da situação desencadeadora.
             

Resultado de imagem para altos e baixos da vida   A vida não se vive em linha reta. Ela é feita de altos e baixos. Como nos ajustamos, como nos adaptamos, frente às mudanças, as crises (normativas e/ou acidentais), os conflitos, aos lutos, às adversidades, enfim, aos baixos da vida tem importância sobremaneira no adoecer depressivo. Neste sentido, quanto mais adequadas forem as respostas do sujeito humano frente as suas situações-problemas, menos chances tem ele de deprimir.
                Dentro da perspectiva acima ventilada, a depressão exógena/reativa tem em seu diagnóstico nosopsicodinâmico o viés adaptativo, principalmente em suas inadequações e disfuncionalidades reativas e enfrentativas. Em inglês se usa o termo coping, cuja tradução literal seria “enfrentamento”. Em uma rápida ida ao Wikipédia encontramos o significado de coping como “esforços cognitivos e comportamentais para lidar com situações de dano, de ameaça ou de desafio quando não está disponível uma rotina ou uma resposta automática. Apenas esforços conscientes e intencionais são considerados estratégias de coping e o estressor deve ser percebido e analisado não sendo assim consideradas resposta

 Fica, assim, evidente, que quando o indivíduo responde a seus estressores de forma adequada, isto é, quando sua responsividade resolve, soluciona ou supera o problema, as chances de deprimir exogenamente é zero; bem como se o coping minimiza e/ou alivia a situação-problema as chances diminuem consideravelmente. O indivíduo também pode se adaptar à situação-problema (principalmente quando esta for insolúvel) e aprender a conviver com ela, mantendo seu nível basal de equilíbrio.

Uma situação-problema vital não é em si mesma uma crise propriamente dita, mas sim um estado potencialmente crítico. Quando uma pessoa se vê como que paralisada frente a um obstáculo e que seus recursos costumeiros de enfrentamento não lhes são úteis agora, entra ela em um período de desorganização podendo chegar a uma ruptura drástica em sua homeostase psíquica. Para Caplan, em seu clássico livro PRINCÍPIOS DA PSIQUIATRIA PREVENTIVA, um sujeito só entra em crise propriamente dita quando há falência dos seus habituais mecanismos de defesa e de adaptação. Para ele o desequilíbrio homeostático é reduzido por meio da utilização de aptidões conhecidas pelo sujeito. Todavia, quando tais aptidões são insuficientes ou insatisfatórias para solucionar a situação-problema, caso o sujeito não desenvolva novas e inusuais aptidões, uma crise ocorre dentro dele com a ruptura do estado saudável e o estabelecimento de uma desorganização psíquica, mergulhando-o em uma crise de raiz desadaptativa com sintomatologia ansiosa e depressiva. Verifica-se, assim, que quanto menos adaptativas forem as respostas, mais se aumenta o risco da depressão.


Uma importante vertente do campo da Psicologia Clínica, a Psicologia e Psicoterapia Interpessoal, que será nosso próximo tema em continuidade deste, tem bastante contribuído para a compreensão das depressões exógenas. Em muitos casos dificuldades no exercício de certos papéis sociais podem estar ligados ao início da depressão. Por outro lado episódios depressivos, mesmo os biologicamente desencadeados, prejudicam o indivíduo em suas capacidades relacionais. Baseada na escola interpessoal proposta por Sullivan, bem como na Teoria do Apego de Bowlby e nos trabalhos de Freud sobre o luto e aa melancolia, a Psicoterapia Interpessoal foca o tratamento da depressão nas relações interpessoais do paciente com suas atuais figuras significativas. Seja endógena, seja exógena, por ser o ser humano um ser relacional, isto é, social por natureza, a depressão ocorre em cenários e contextos sociais. As chamadas “áreas-problemas” sob esse enfoque são frequentemente quatro: 1. Luto (por perda ou ameaça); 2. Conflitos e disputas interpessoais; 3. Mudança ou transição de papéis; 4. Déficits interpessoais.

Para quem conseguiu chegar até o fim do presente texto, provavelmente por se interessar pela problemática abordada, daremos continuidade ao tema, enfocando a psicoterapia interpessoal, em um futuro breve post. 


                Até lá...
Joaquim Cesário de Mello

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