PARA ALÉM DOS ARREDORES DE MIM
(originariamente publicado em 24/02/2012)
Sou mais vasto do que sei quem
sou. Eu sei. Além das cercanias em que me encontro encolhido habita um Joaquim bem
maior e mais amplo do que todo o somatório de minhas familiaridades. Meus horizontes
visíveis são minhas cercas. Mas como posso saber quem sou se não sei quem sou
após as muradas que vejo quando me vejo? Serei, como diz Pessoa, sempre aquele
que não nasceu para isso? Serei somente aquele que só tinha potencialidades e
qualidades? Ou serei como um Vladimir ou um Estragon que nada mais tendo a
fazer da vida ou na vida vivem a esperar um Godot que nunca chega? Ou serei
ainda sempre um homem adiado, uma promessa que nunca se realiza, uma inquietude
perene e quieta por debaixo dos contornos de minha máscara? Será que em minha
lápide nada mais será escrito senão as datas em que nasci e morri? São tantas
as desculpas que crio para continuar a não fazer o que até agora não fiz. Minha
mendicância é vivida de sonhos onde neles sou o inverso de mim.
Não
me basta mais o que já sei de mim, pois de mim já sei demais. Quero-me além dos
arrabaldes e após os subúrbios. Não sou tão mínimo assim para existir uma
existência só de “murmúrios e grunhidos
do berço até o túmulo”. Sou como aquele personagem do poema Tabacaria de
Fernando Pessoa, pois não sou nada, não posso querer ser nada, pois também
trago em mim todos os sonhos do mundo.
Sou e estou como sempre
fui e estive: como a ave enjaulada do poema que escrevi quando tinha bem menos aniversários do que trago agora (...Empinou o bico/com inútil arrogância/agitando as penas/como se fosse feliz./Olhou o mundo/que flutua por detrás da janela,/abriu as asas/um tanto desacostumado/e num último arrebatamento/chocou-se entre as grades./Resignado,/recolheu-se ao seu canto habitual/e fechando as asas e os olhos/sonhou grandes voos.). Mas, não quero isto mais para mim. Quero ir adiante. Passar
das cercas e me aprofundar inteiro. O somatório das nossas larguras e
alturas não são nem metade de um terço de um décimo de nossas profundidades.
Somos uma enorme vastidão para dentro. Do lado de lá de nós, de cada um de nós,
reside quase um infinito, que toda uma existência de séculos seria insuficiente
para explorar por completo.
O transcender das cercanias nos amplia para dentro. Mas é árduo, sempre é, o longo e interminável caminho entre quem sou, quem gostaria de ser e quem eu posso ser. Para empreender tal infinda jornada é necessário coragem pessoal para renunciar ao mundinho em que habito. e muito mais do que coragem, pois, como afirma o psicanalista Hanz Kohut, as ambições nos impulsionam e os ideais nos puxam. Uma vez cruzada a porteira, que separa a alma que sou da alma que posso ser não há mais retorno ou regresso. É como disse certa vez o poeta chileno Pablo Neruda: "quem volta jamais partiu".
E porque ainda não findo é que devo me exceder e e me suplantar. E seguir em frente e continuar... Até o dia em que meus fantasmas se vestirão de luto por mim.
Joaquim Cesário de Mello
Um comentário:
Lindo texto Joaquim! Sua sensibilidade cada vez mais aguçada, lindo demais! Me lembrou um texto de uma peça de Aderval, que dizia: "Quem sou eu de tantos eus que fui? Sou todos eles e sou eu só, não sou nenhum, cada um foi ele até a véspera do dia em que um pariu o outro que ele não tinha dentro de si, se não como vaga possibilidade..."
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