Plenitude é uma palavra cujo significado nos remete a algo que está completo, inteiro, cheio, que atingiu a medida máxima. Eis, pois, um termo que facilmente podemos associar à perfeição.
Ah! se fôssemos perfeitos e a vida idem. Teríamos todas as qualidades e nada teria nenhum defeito. Não haveria em mim nenhum desejo, pois não sofreria de nenhuma falta. Não traria sonhos e nem haveria de tê-los, afinal a perfeição se já atingida é a realização de todos os meus sonhos. Sequer adoraria algum deus, visto sê-lo, nem sobraria espaço interno para amar, pois estaria tão e interminavelmente saciável; e o amor é o alimento que a alma requisita quando tem fome. Não teria, inclusive, consciência do viver, já que a vida me seria perfeita e eu perfeito com ela seríamos um universo indissociável. Não me restaria esperanças nem lembranças, uma vez que o futuro seria tão exato quanto o presente e lá chegando tão igual quanto o passado. Duraria tão pra sempre que jamais idealizaria eternidades. E seria tão eterno e tão sem fim; e tudo seria tão eterno e tão sem fim que deixaria de apreciar a beleza que sempre lá estaria a ponto que perderia a condição de reconhecer o que é belo, pois tudo seria inteiro, contínuo e inacabavelmente belo. Nada caducaria, tudo permaneceria do mesmo jeito e coisa nenhuma haveria de ser transitória. Resignar-me-ia a um tempo que em sua indiferenciação não passaria. Ah! se fôssemos perfeitos e a vida idem seríamos todos imortais, e assim viveríamos a imortalidade do tédio. Pensando melhor, ainda bem que não somos perfeitos e a vida também.
Freud, em seu texto "Sobre a Transitoriedade", escreveu que o valor da transitoriedade é o valor da escassez no tempo e que a limitação da possibilidade de uma fruição eleva o valor dessa fruição. Afirma ele: "uma flor que dura apenas uma noite nem por isso nos parece menos bela". Talvez esteja aí um dos segredos do encantamento frente ao belo. Ele é curto, passageiro e diferente do que não é belo. E é por isto que eu penso e tanto penso. Devo todos meus mais importantes pensamentos à transitoriedade e meus sonhos e desejos à posteridade. E o que me agrada e me faz feliz é breve, então haverei de sorver do efêmero o que ele tem de rapidamente eterno. Ou como dizia Goethe "na plenitude da felicidade cada dia é uma vida inteira".
Não é porque não podemos tudo que não podemos muito. E não é porque muita coisa não será realizada que não possamos realizar o que podemos realizar. Devemos procurar o realizável com igual intensidade como se deseja o que é desejável. Cada amanhecer de dia é dia de ser eu e vivê-lo continuamente no aperfeiçoar de mim. Minhas conquistas são feitas de derrotas, e sobre os escombros da perfeição derrotada edifico o melhor de mim para depois melhorá-lo. O céu não é meu limite. Meu limite sou eu mesmo. E se sempre penso grande, começo sempre pequeno. Minha alma, esta sim, é que não é pequena.

"Toda perfeição é um defeito" (Voltaire). O homem perfeito não existe. O que há é o homem possível. Deixemos as promessas aos medíocres, eles vivem de sonhos. Sejamos o sonho que se corporifica, se carnaliza. Sejamos mais e sigamos em frente. Exploremos até os limites a nossa geometria. Façamos da nossa essência uma existência. Jamais nos contentemos com o satisfatório, afinal todos podemos ser melhores e aprimorar o que de melhor somos. Ou como expressava o santificado sacerdote francês São Vicente de Paulo: "a perfeição não consiste na multiplicidade das coisas feitas, mas no fato de serem bem feitas".
Evitemos, portanto, o que escreve Fernando Pessoa na voz melancólica de seu personagem Bernardo Soares ("O Livro do Desassossego"), em seu receio do futuro: "Estarei sossegado numa casa pequena nos arredores de qualquer coisa, fruindo um sossego onde não farei a obra que não faço agora, e buscarei, para a continuar a não ter feito, desculpas diversas daquelas em que hoje me esquivo a mim. Ou estarei internado num asilo de mendicidade, feliz da derrota inteira, misturado com a ralé dos que se julgaram gênios e não foram mais que mendigos com sonhos, junto com a massa anônima dos que não tiveram poder para vencer nem renúncia larga para vencer do avesso".
Por isso entendo que o melhor de mim
está sempre no dia seguinte depois de mim.
Constantemente acordo para o amanhã.
Joaquim Cesário de Mello
Nenhum comentário:
Postar um comentário