Há um texto do século XIX que, na ocasião, impactou a literatura e a sociedade científica e, acrescento, que até os dias de hoje vem ainda provocando reflexões. O contexto em que se deu sua criação é bem interessante
. Numa casa de campo vários escritores (incluindo o poeta Byron) se reuniram para conversar de literatura. Após discussões, que certamente beiravam o tédio, algum deles propôs uma atividade divertida. Cada um teria que produzir durante os dias que restavam da estadia, um texto, ou um esboço de texto, que fosse sombrio e que provocasse horror nos demais. O texto, naturalmente, mais tenebroso ganharia o pequeno festival. Todos foram às suas escrivaninhas e mergulharam as suas reflexões. Houve uma grande adesão àquela causa literária, inclusive, a mulher do poeta Percy Bysshe Shelley participou com entusiasmo. Ela, que produzia modestos poemas, construiu um texto instigante que intitulou de Moderno Prometeu. A trama é relativamente simples e circundava a vida de um cientista que perdeu a mãe ainda criança. Há em verdade na trama uma sucessão perdas: parentes, mestres, amigos. A idéia da morte era permeada por imensa angústia e natural lamentação. Como a juventude daquela época estava muito influenciado pelo pensamento positivista preconizava que só com os avanços da ciência se chegaria a verdade e ao conforto , o jovem resolveu estudar com mais profundidade a biologia da vida e da morte e os elementos que mantinham as pessoas vivas. Após várias pesquisas vem-lhe a estrambótica ideia de criar um ser imortal. Como faria isso? estudando a moderna fisiologia, indo aos necrotérios e cemitérios onde juntaria partes de pessoas na tentativa de construir um outro ser, que denominou provisoriamente de Criatura. Bem, a história acho que vocês, leitores já devem conhecer… O título definitivo foi o romance Frankenstein e a jovem mulher do poeta era a ainda desconhecida Mary Shelley que presenteou a modernidade com esse grande clássico - cabe destacar que há equívocos muitos freqüentes para quem conhece pouco o livro. Por exemplo, o nome Frankenstein refere-se ao médico, o jovem criador, e não a criatura. A criatura nunca será nomeada, e a falta de nome a tornaria ainda mais monstruosa
Mas quem era Mary Shelley? uma mulher orfã de mãe que a faleceu uma semana depois da jovem Mary Shelley ter nascido. Essa mãe que morreu precocemente era escritora e considerada uma das principais precussoras do feminismo britânico. Já adulta Mary Shelley tem relacionamento amoroso com o poeta Percy Shelley, que no início ainda era casado. Num espaço de dois anos entre o início do relacionamento e a escrita de Frankenstein acontece duas tragédias: o casal perde um filho por aborto e a ex-mulher do poeta se suicida. Pode observar que a criação do livro foi fertilizado pela elaboração dessas tragédias recentes e da tão presente ideia da morte. Coincidência? O que procurava Mary Shelley quando tentava colar os pedaços de mortos e dali reparar, quiça, seus sentimentos de culpa e suas responsabilidades? Bem deixemos para as respostas ocorram na cabeça do leitor que antes de emitir qualquer opinião deverá ler Moderno Prometeu,ou melhor, Frankenstein. Adianto, contudo, que escrever o livro partiu não do desejo apenas de fazer uma obra inesquecível para a humanidade, mas de escrever um trecho da biografia de alguns conflitos psíquicos.
Marcos Creder