É possível que você, caro leitor(a), já tenha uma vez na vida sentido uma sensação psicológica de sufocamento, acompanhado de ansiedade, peito apertado, insegurança. Pode ser que você também tenha conjuntamente sentido desassossego, dificuldade de concentração, alteração do sono e do apetite, falta de humor e apatia. Todo esse abafamento interior, toda essa dor na alma, formam um conjunto de sintomas daquilo que chamamos de angústia. É como disse certa vez a escritora e roteirista Adriana Falcão: “angústia é um nó muito apertado bem no meio do meu sossego”.
Muitas
vezes, psiquiatricamente falando, utiliza-se o termo ansiedade ao invés de
angústia. Prefere-se ansiedade à angústia por esta última não possuir
tecnicamente significado psicopatológico bem definido e claro. Ansiedade é um
termo mais neutro e ateórico do que angústia, cujo sentido ao longo do tempo se
vinculou a correntes teóricas específicas. Todavia, não são idênticos, afinal são
procedimentos mentais diferentes. Enquanto a ansiedade é uma inquietação
exagerada em relação a algo que vai ou está para acontecer (futuro), angústia é
um sofrimento cuja relação se faz com o instante (presente).
Para
Freud, angústia se definia como um estado emocional puro que pode existir sem
objeto que o provoque, causa, motivo ou razão de ser conhecida e visível, como
temos na ansiedade e no medo. Particularmente prefiro a distinção, não somente
porque temos em nosso léxico estas duas palavras, mas principalmente porque
operacionalmente o manejo clínico é diferente.
As
sensações físicas e psíquicas da angústia são sofrimentos que se originam de
algo que a alma sofrente não consegue nomear. Em outras palavras, a raiz da
angústia não é consciente ao psiquismo, embora venha do próprio psiquismo o Eu
da pessoa não “enxerga” de onde vem e porque vem. Por este viés a angústia
teria uma fonte involuntária, automática e inconsciente, sem situação ou ameaça
de perigo detectável.
A
primeira vez que o psiquismo humano sente angústia é muito provavelmente quando
do momento do nascimento, afinal o psiquismo, até então de funcionamento fetal,
vai ter de lidar com inúmeros estímulos novos no mesmo tempo. A mudança de um
espaço líquido e escuro (útero) para um espaço aéreo e claro (fora do útero) é
para o mente rudimentar um verdadeiro trauma. Foi Otto Rank, em “Das Trauma der Geburt” (O Trauma do
Nascimento) quem pioneiramente pavimentou a estrada para o entendimento atual. Para
ele a angústia, que posteriormente o adulto sentiria, tinha sua psicogênese no
fenômeno fisiológico do nascimento. É como se ao nascer, nascesse também no ser
humano a angústia.
Pelo
acima exposto, entende-se que a angústia está relacionada ao próprio existir
humano: frágil, vulnerável, desamparado. O ser humano, aos poucos, vai tomando
posse da consciência de sua existência, bem como percebe, sentindo, as mudanças
em si e no mundo externo que o rodeia. Com isto assume igualmente a ciência da
finitude da vida e de sua própria pequenez e impotência. Não no mundo exterior
ao homem que a angústia se faz, mas sim em seu mundo interior. Alguém já disse
que o ser humano é um ser por excelência e natureza angustioso por saber da
vida e de sua transitoriedade. Por um lado anseia a vida por tudo que ela pode lhe
dar; por outro, teme seu fim e o nada que isto representa. Se a ansiedade está
relacionada ao temor por uma ameaça ou perigo real, a angústia se relaciona ao
temor do nada.
Angústia é desespero, disso já sabia Jean
Paul Sartre. Sartre – que já levou a fama de ser chamado de o filósofo da
angústia – dizia que “via no desespero
uma imagem lúcida do que era a natureza humana”.
Mas não é da angústia existencial que
buscamos aqui focar, mas sim da angústia como patologia e presença clínica,
afinal angústia como vazio existencial todos nós temos, cada um ao seu modo e
maneira. Entretanto, quando ela extrapola os limites de tolerabilidade do
indivíduo e excede sua racionalidade, então estamos frente à angústia de
caráter patológico.
Nossa
capacidade de pensar o mais lucidamente possível, quando se entra em angústia
patológica, é comprometida. Angústia e depressão são parentes tão próximos que
chegam a parecer gêmeos siameses, isto é, muitas vezes sentir angústia é
sinal da existência de uma quadro mórbido depressivo. A depressão é, do ponto
de vista fisiológico, um desajuste neuroquímico no cérebro que gera alterações
tanto emocionais quanto físicas. Os mecanismos que provocam angústias ainda não
foram bem elucidados. São várias as possíveis causas para o surgimento de tal
fenômeno, desde a predisposição genética até aspectos sociais, familiares e a própria estruturação da personalidade do sujeito. Personalidades do tipo
dependente, por exemplo, que são caracterizadas por laços afetivos de forte
dependência, são mais vulneráveis a episódios de ansiedade e angústia.
A
imagem que temos de uma pessoa angustiada é sempre descrita como alguém se contorcendo
(por dentro e por fora), desanimada e desesperançada, aflita e agoniada,
desolada, entristecida e ensimesmada. A caricatura mais representativa é a de
um indivíduo encolhido e encurvado, quase como em uma posição fetal.
A poeta Ana Cristina Cesar exemplifica bem
o que é a angústia do ponto de vista do angustiado: “angústia é fala entupida”. Sim, angústia é fala, é comunicação, é
linguagem. Mas é uma linguagem sem língua, uma fala sem verbo, pois é o corpo e
a alma que comunicam em um dialeto primitivo, fundado muito antes do surgimento
do desenvolvimento da capacidade simbólica da mente humana. É um falar
esvaziado de pensamentos intelectivos, um falar puramente instintivo, visceral e
emocional. E é aqui que reside nosso trabalho clinico: interpretar esta
linguagem, possibilitando, assim, que a própria pessoa, no lugar e papel de
cliente/paciente, tome para si a difícil tarefa de se escutar falar.
Ou
como escreveu Oscar Wilde: “se você não consegue entender meu silêncio de nada
irá adiantar as palavras, pois é no silêncio das minhas palavras que estão
todos os meus maiores sentimentos”.
Creio que Freud nos aponta uma pista importante
e significativa quando diz que o recalque torna o familiar estrangeiro e o seu
retorno provoca angústia. Se não há, em princípio, um objeto (real ou
fantasmático) que se ligue a angústia como temos na ansiedade e no medo, é
porque o sujeito se tornou alheio a ele. Se for verdade que a angústia tem a
ver com o sentimento de vazio, não é do vazio que nos curamos, mas sim o
tornamos falável, isto é, o nada tem também os seus significados e suas significâncias.
É na expressividade dos sentimentos indizíveis que a angústia se torna menos
precisa e aparente. Não é somente de palavras que necessitamos, porém de
compreensão e acolhimento.
“que
não se esmaguem com palavras, as entrelinhas...” (Clarice Lispector)
Joaquim Cesário de Mello
“se você não consegue entender meu silêncio de nada irá adiantar as palavras, pois é no silêncio das minhas palavras que estão todos os meus maiores sentimentos”. E nas minhas ausências....
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